quarta-feira, 1 de junho de 2011

Boa, 37 anos! Mas vá lá agora a sério, quando é que começa a Democracia?

Pá eu acho que Portugal atravessa agora um momento que será visto no futuro como de viragem. Não por causa das eleições - independentemente de quem ganhar manter-se-á a mesma lógica bipolar dos últimos 36 anos. Este momento é de viragem porque tornou-se evidente para todos a falência do sistema político nacional e por isso, nunca desde 1974 se pôs tudo em causa como agora, desde a seriedade da classe política aos próprios fundamentos do regime.

Momentos como este são raros e valiosos porque apresentam uma oportunidade de verdadeira mudança. É por isso essencial que todos tenhamos em primeiro lugar a perseverança e imparcialidade para fazer um diagnóstico correcto e completo e em segundo lugar a imaginação e coragem para desenvolvermos e nos submetermos ao tratamento adequado.

Depois de no último post ter tentado resumir alegoricamente os últimos 37 anos, estava a pensar continuar no diagnóstico, apresentando dados estatísticos sobre o mesmo período e a minha análise - tenho passado os últimos tempos a ir frequentemente ao site da Pordata e outros. Felizmente para os leitores do blog tal não será necessário porque durante essa pesquisa descobri algo espantoso: uma reportagem sobre o momento que o país atravessa feita por um canal de televisão português, que em vez de falar sobre consequências tenta identificar causas, em vez de ficar satisfeito com explicações superficiais tenta ir ao fundo das questões e em vez de entrevistar famílias vitimizadas entrevista os decisores das várias causas identificadas. Não sei se teve algum destaque na altura em que foi transmitida porque o programa mais informativo a que tenho acesso agora na RTP Internacional é o Preço Certo. Aqui vai o link: http://www.rtp.pt/multimediahtml/progVideo.php?tvprog=27138 Isto é mais importante que todos os debates, comícios, entrevistas, comentários, sondagens, etc. juntos por isso aconselho vivamente que vejam e revejam.

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É fim da noite de Sábado algures na viragem da década de 80 para 90 e o meu amigo Marco está mais uma vez bêbedo. Estamos no anfiteatro da Pousada da Juventude da Serra da Estrela, convertido momentaneamente em discoteca. A música revolucionária dos Technotronic foi substituída pelo burburinho das pessoas enquanto o espaço se ia esvaziando. Nós continuávamos lá no entanto a gozar o espectáculo que eram as tentativas do Marco em sair do anfiteatro: Ele andava ao longo da parede sempre para a direita e dava a volta toda até ir parar ao mesmo sítio. Depois andava para a esquerda e mais uma vez dava a volta toda. O problema dele é que estava tão bêbedo que via as escadas como outra parede e por isso para ele não estava num anfiteatro mas sim num fosso sem saída.

É óbvio que ao fim de algum tempo pegámos no Marco e ajudámo-lo a sair de lá. Já quanto ao País, há 37 anos que anda ora para a esquerda ora para a direita à procura de uma saída e continua sem a encontrar. A população entreteve-se a fazer peso para um lado e para o outro, mas à medida que o tempo passa tem achado cada vez menos piada ao jogo, tem-se encostado e ficado à espera que a coisa mude. Neste momento, depois de tudo o que aconteceu recentemente, parece óbvio para a maioria que agora é que tem mesmo que mudar qualquer coisa, mas todos os apelos são no sentido contrário: a Democracia é certamente o menos mau dos sistemas políticos, numa Democracia a arma do povo é o voto, vamos todos portanto votar e ajudar o País a encontrar o rumo. Esta lógica parece inatacável mas a sensação forte de que algo não está bem não se vai embora. Haverá uma escada algures, mas a bebedeira persiste.

Tal como o Marco, o País será eventualmente ajudado pelos seus "amigos". Portugal é basicamente um atrelado que, independentemente de programas de ajuda, de empréstimos, apertares de cinto, etc., só se vai pôr realmente a andar quando os outros se mexerem e o levarem atrás através das exportações, subsídios e impacto colectivo nos mercados. Nessa altura todos se vão esquecer rapidamente do que se está a passar agora, vão-se vangloriar pelas medidas de recuperação bem sucedidas, voltam a haver aumentos, obras públicas, emprego e optimismo. Até à próxima crise claro! Se olharmos para trás, o 25 de Abril e subsequentes auxílios do FMI aconteceram durante a crise internacional do Petróleo nos anos 70, o Estado Novo foi criado durante a grande depressão de 1929 e início dos anos 30, etc. Parece então que já há algum tempo que a nossa vida é andar recostados no nosso atreladozito e só quando param de puxar é que acordamos e protestamos: "Então pá! Isto não anda porquê?!".

Quer isto então dizer que é natural sentirmos que temos que mudar qualquer coisa mas que na realidade a importância dessa mudança não é grande? Eu acho o contrário: isto quer dizer que no meio de tantas aparentes mudanças (Liberalismo, República, Ditadura, Democracia) há algo mais profundo que nunca mudou. Arranjar um motor por exemplo!

Desde há 37 anos Portugal é um país com uma população quase totalmente de classe média homogénea em que metade dela aceita acreditar (ou finge acreditar para não se chatear) que pertence a uma classe trabalhadora explorada pelos capitalistas sem escrúpulos e a outra metade aceita acreditar que é proactivo e empreendedor mas que não consegue fazer nada por causa do peso da outra metade, composta por funcionários públicos e subsídio-dependentes. Antes do 25 de Abril a população tinha o Fado, Futebol e Fátima para se entreter, agora tem o Futebol e a Política. Eu nunca concordei na generalidade com nenhum dos partidos e por isso antes de cada eleição sou invariavelmente chutado para o maior grupo de pessoas com uma placa na testa a dizer "indeciso". Acho que há aqui um erro qualquer de comunicação persistente porque indeciso fico eu por exemplo quando vou a um restaurante e tenho dezenas de pratos à escolha, cada um melhor que o outro. Quando vou a um restaurante e só tenho 5 pratos à escolha, 2 deles que me recuso totalmente a comer, outro que desconfio que me vai dar uma crise intestinal e outros 2 que já comi tanto que nem posso ver à frente, confesso que "indeciso" não faz parte da série de palavras que me vêm à cabeça nesse momento. O mais certo é mudar de restaurante que foi aliás o que fiz!

Mas a bipolarização partidária funciona muito bem há centenas de anos em alguns países, por que não em Portugal? Nesses países é normal partidos manterem-se no governo durante 2 e 3 mandatos seguidos e alguns até se mantêm décadas. Quando se vota noutro partido é porque aconteceu algo grave. Em Portugal, desde o 25 de Abril só por 3 vezes um partido foi reeleito para um segundo mandato e só 4 governos conseguiram acabar os 4 anos da legislatura. Noutros países é normal existirem governos de coligação ou de maioria relativa mas em Portugal ambos os casos são sempre instáveis: só uma maioria absoluta permite uma boa governação e só um voto nesse sentido é um "voto útil". Uma maioria absoluta permite o alinhamento entre os poderes legislativo e executivo enquanto que o poder judicial, parte da comunicação social, empresas públicas com monopólio dos principais serviços prestados no País, etc. são também alinhados pela nomeação política dos seus dirigentes. Em Portugal portanto a Democracia que funciona parece ser mais uma sequência de mini-ditaduras de 4 anos.

Eu vivo num desses países em que o que seria suposto funcionar em Portugal funciona mesmo e vejo que a diferença não é a capacidade ou competência dos membros do governo. A diferença é a atitude das pessoas. Por aqui quando alguém suja alguma coisa é a pessoa que está mais perto que vem logo exigir que se limpe, quando um funcionário não desempenha bem o seu serviço todas as pessoas reclamam imediatamente, quando alguém excede o limite de velocidade, estaciona onde não deve, etc. quem vê telefona logo à polícia, etc. Quando o governo está a pensar mudar qualquer coisa existem manifestações contra e a favor. Por exemplo quando se estuda a possibilidade de pôr portagens numa autoestrada manifestam-se os que não as querem pagar mas também aqueles que não aceitam que sejam todos os contribuintes a pagar pela estrada. Em Portugal pelo contrário como cada um só vê o seu interesse imediato compete ao Estado fiscalizar tudo e como só se manifesta quem é directamente afectado por cada medida, a vida política é sempre alguém contra o governo. Esta semana é o governo contra os professores, depois o governo contra os polícias, depois contra os utentes das SCUT, depois contra os transportadores, etc. O resto dos contribuintes mantém-se perfeitamente ausente de cada discussão apesar de estar em causa aquilo que vão ter que pagar com os seus impostos. O governo pelo contrário vai acumulando desgaste e mais desgaste em todas as discussões e por isso é que só quando tem a robustez de uma ditadura temporária aguenta. Ou então deixa de governar, que é aquilo que normalmente acontece nos anos que precedem eleições como 2009 - o ano do descalabro. Eu não quero com isto dizer que quem está no governo não tem culpa, mas a diferença para os governantes de outros países não é serem menos preparados ou honestos mas sim que não estão submetidos a uma fiscalização activa pela população.

Esta argumentação justificaria agora o discurso típico do: o mal de Portugal são os portugueses, com esta gente não se faz nada, enquanto não se mudar o comportamento da população isto não vai a lado nenhum, etc. e a carga de complexo de inferioridade e de salve-se quem puder que se segue. A isto eu chamo criar uma parede onde ela não existe, porque a única coisa que não podemos mudar é exactamente a nossa cultura. As nossas características não são melhores nem piores que as dos outros (ver o post "Em Portugal...ou não!"). O que se verifica é que têm obviamente um pior desempenho num sistema de governação que foi desenvolvido para outra cultura e depois copiado por nós. Em Portugal por exemplo, todas as nossas constituições desde 1822 foram copiadas de outros países, com uma ou outra alteração. Se temos características diferentes e ainda por cima temos mais imaginação, aquilo que temos que fazer é desenvolver o nosso próprio modelo de governação e desenvolvimento. Não se transforma a parede numa saída ampla e fácil. São escadas e têm que ser subidas. Mas pelo menos é uma saída.

Mas o que implicará desenvolver um modelo de acordo com a nossa cultura? Será que pelo nosso alheamento e desinteresse pela comunidade não conseguimos viver em Democracia? Antes pelo contrário! Isto quer dizer que, ao contrário da maioria dos outros povos, nós precisamos tanto de Democracia que só quando finalmente existir uma, o País vai mostrar o seu verdadeiro potencial e deixar de ser um reboque!

Deixo o resto para um próximo post. Comecei a escrever isto no 25 de Abril e daqui a pouco só publicava depois das eleições...

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Portugalix

"Pá eu acho que já chega!" disse um dos caçadores que tinha organizado o encontro secreto. "As outras aldeias não têm nada a ver connosco, nem sequer as conhecemos, não faz sentido continuarmos a matarmo-nos só porque o velho acha que ser chefe da aldeia dele não é suficiente!". Os rostos à sua volta parcialmente obscurecidos pela noite enevoada acenavam em concordância. "É a altura de acabarmos com isto de uma vez por todas. Amanhã ao nascer do Sol pegamos nos nossos grupos de caça e vamos lá correr com ele!". Novos acenos foram desta vez acompanhados por vozes abafadas de encorajamento.

Era uma vez Portugalix - Uma história de comédia, acção e muita má governação...

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Na manhã seguinte a aldeia de Portugalix acordou bruscamente para os eventos planeados secretamente na noite anterior: alguns grupos de caçadores decidiram seguir a direcção contrária à habitual e dirigiram-se ao centro da aldeia onde tomaram a casa do Chefe de assalto, pegaram nele e decidiram logo ali que o condenavam ao exílio já que a cultura da aldeia é a de evitar qualquer violência desnecessária, seja a quem for.

Depois da surpresa inicial perante mudanças tão drásticas e inesperadas, a aldeia ergueu-se em celebração e regozijo e logo foram despachados mensageiros para as outras aldeias dando conta do sucedido e manifestando a intenção de terminar imediatamente a ocupação forçada de algumas delas. Uma nova Era ia começar em Portugalix!

No próprio dia o Esquerdix foi libertado da prisão, onde estava porque tinha sido o único a contestar abertamente o Chefe e a tentar planear a queda do seu regime. Era portanto agora visto como um líder e uma fonte de inspiração. Como nada havia sido planeado sobre o que fazer depois de derrubar o Chefe, Esquerdix seria logicamente uma ajuda fundamental já que tinha sido esse também o seu objectivo desde sempre. Gracejando, pela aldeia comentavam que pelo menos tinha tido tempo de sobra para pensar nisso enquanto esteve preso!

"Quem mandava em Portugalix era o Chefe" começou Esquerdix, "e os amigos dele eram o Capitalix que é dono das terras de onde vêm as plantas que comemos e o druida Catolix que nos tenta convencer que o Chefe tem sempre razão e que a vida ideal é trabalhar muito e comer pouco. O resto da aldeia são só camponeses que trabalham na terra do Capitalix e caçadores que vão buscar javalis à floresta. O Chefe tem estado estes anos todos a dizer que a aldeia está melhor porque produzimos muito, mas vocês têm comido melhor?" "NÃO!!!" foi a resposta em coro, "Claro que não. Porque quem tem ficado com a comida é o Capitalix que está com o celeiro cheio e vende o resto para outras aldeias!".

Ao ouvir isto, um grupo de camponeses dirigiu-se imediatamente para as terras do Capitalix, apercebendo-se ao arrombar as portas de madeira da sua casa (que era de longe a maior da aldeia) que o seu dono já tinha fugido dali, tendo ido provavelmente procurar refúgio noutras paragens. A desilusão foi imediatamente esquecida no entanto quando abriram o celeiro e verificaram que apesar de não estar cheio como disse o Esquerdix, estava ali mais comida do que alguma vez tinham sonhado. Finalmente iam chegar ao fim os anos de penúria!

Apesar dos incitamentos do Esquerdix para que a aldeia ficasse só para camponeses e caçadores, uma parte da população temeu que os deuses se vingassem se o druida Catolix também fosse escorraçado, por isso contentaram-se em tirar-lhe a propriedade da árvore sagrada, passando a pertencer a toda a aldeia. Ficou também proibido de falar de coisas não religiosas nos sermões.

Entretanto, para alegria de muitos, o Centralix voltou da aldeia para onde tinha fugido há uns tempos. Ele e o seu irmão Centrolix falavam também normalmente contra o Chefe mas sem se terem juntado ao Esquerdix a planear a sua queda. O Centrolix tinha tentado dizer ao Chefe directamente o que achava que devia mudar enquanto que o Centralix mantinha uma atitude de confronto e por isso acabou por ter que fugir quando o Chefe perdeu a paciência e observou que o Esquerdix estava a sentir-se muito solitário na prisão.


Assim que chegou o Centralix, ele e o Centrolix, secundados discretamente pelo Direitix, que era um camponês que tinha ficado na aldeia apesar de alguns dizerem que era amigo do Capitalix e que tinha sido favorecido por isso, começaram a pedir para a população da aldeia se reunir e decidir quem deveria agora governar para que se pudesse começar já a melhorar a vida de todos. No entanto os caçadores que dirigiam agora a aldeia estavam mais interessados em continuar a seguir os conselhos do Esquerdix que estavam a trazer finalmente o produto de tantos anos de trabalho árduo a quem de direito.

As terras do Capitalix eram agora de toda a aldeia e todos podiam trabalhar nelas para recolher o seu sustento. Esquerdix observou que a dimensão das terras e da reserva de alimentos no celeiro eram tão grandes que se podia trazer uma boa parte dos camponeses e caçadores para fazer outras coisas pela aldeia: dedicarem-se exclusivamente a ensinar como caçar, a curar feridas, a arranjar as casas, a fazer os instrumentos necessários, roupas, etc. Como estas pessoas iam deixar de poder recolher a sua comida era preciso também que os camponeses e caçadores passassem a entregar um quinto daquilo que produziam para assegurar o seu alimento. Para que todos recebessem aquilo a que tinham direito e se fizessem ouvir na aldeia sem terem que abandonar o campo ou a floresta, Esquerdix escolheu também o seu amigo Sindicalix para falar com todos e representá-los quando fosse necessário. Claro que para cumprir a sua nova função, também Sindicalix teve que deixar de trabalhar. Para conseguir contactar com todas estas pessoas, Esquerdix viu-se também na necessidade de converter camponeses e caçadores em mensageiros que estivessem permanentemente a trazer e enviar mensagens.

Enquanto isso a maior parte da população começava a dar razão ao Centralix, Centrolix e Direitix e não percebia porque é que o grupo de caçadores e o Esquerdix estavam a demorar tanto tempo a tomar a iniciativa de reunir toda a aldeia para decidirem quem passaria a governar. Com medo que o Esquerdix gostasse demasiado das suas novas funções e se tornasse um novo Chefe, resolveram reunir-se na aldeia e forçar o Esquerdix e o grupo de caçadores a juntarem-se a eles para que uma decisão fosse tomada de imediato. Compreendendo que não tinha outra solução, Esquerdix apressou-se a clarificar que sempre tinha sido essa a sua intenção e que achava uma excelente ideia reunirem-se todos nesse momento.

Tal como esperado, de entre a população da aldeia, quem se candidatou para governar até à próxima reunião foram o Esquerdix, o Centralix, o Centrolix e o Direitix. O Esquerdix ainda era admirado e visto como um herói mas a maioria tinha medo que ele se tornasse um novo Chefe. O Direitix era visto como alguém demasiado próximo do Capitalix e portanto do Chefe. O Centralix e o Centrolix tinham estado contra o Chefe, não eram tão radicais contra o Catolix nem pareciam ter vontade de ficar para sempre a governar, por isso pareciam ser as melhores opções. Conheciam também como funcionavam outras aldeias e por isso tinham muitas ideias para melhorar a vida de todos. A maioria da população votou neles mas nenhum conseguiu pelo menos metade dos votos. Como eram irmãos resolveram governar os dois juntos o que foi visto como uma boa solução por todos.

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Cheios de ideias para a aldeia, os novos governadores quiseram logo ir falar com as pessoas que Esquerdix tinha escolhido para tratarem desta e daquela função de forma a explicarem o que tinham pensado. Muitos, no entanto, eram amigos pessoais ou admiradores de Esquerdix, por isso não concordavam com as mudanças propostas por Centralix e Centrolix. Depois de esperarem algum tempo que mudassem de opinião,os irmãos perceberam que uns resistentes continuavam a não cumprir as suas instruções ou a fazê-lo mal ou lentamente. Decidiram por isso pedir-lhes que voltassem para as suas anteriores funções de camponeses ou caçadores e substituí-los por quem aceitasse cumprir as instruções. No entanto como as novas funções eram melhores que o trabalho duro no campo ou na floresta, os resistentes decidiram ir queixar-se ao Esquerdix e ao Sindicalix que começou imediatamente a correr pela aldeia a gritar que os dois governantes estavam a ameaçar os direitos de todos os trabalhadores, o que criou um grande alvoroço.

Ao perceber o que estava a acontecer, Centralix e Centrolix apressaram-se a acalmar os resistentes, garantindo-lhes que podiam continuar na função actual. Tiveram claro que ir logo depois buscar mais caçadores e camponeses para fazerem o trabalho que tinha deixado de ser feito, assegurando-se que desta vez eram apoiantes seus para não aumentar simplesmente o número de resistentes. Apercebendo-se que assim a comida que recebiam dos caçadores e camponeses não ia chegar para todos, resolveram passar a pedir um quarto da comida produzida.

Resolvido esse problema e com a aldeia a funcionar como achavam melhor, Centralix e Centrolix saíram para os campos e floresta para ver o que também ali podia ser feito. Os grupos de caçadores perseguiam os javalis com as suas mocas, os grupos de camponeses colhiam plantas e raízes. Tudo parecia estar a acontecer da mesma forma de sempre com a diferença que agora todos estavam mais alegres, sorrindo e cantando, a fazer o seu trabalho para si e para a aldeia e não para o Capitalix. Os dois irmãos tiraram conforto dessa visão e estavam a regressar quando repararam que uma grande parte dos campos não tinha aparentemente nada a crescer. Era normal uma parte ter só sementes mas não uma assim tão grande. Resolveram então perguntar o que se estava a passar. "Boa tarde. Reparámos que não se vêem plantas numa grande parte dos campos. Qual é a razão para isso?" "Boa tarde. Então, aqueles campos já foram colhidos." "Já foram colhidos? Mas não voltaram a semear nada?" "Pois...é que agora nós levamos aquilo que colhemos. Se perdesse o meu tempo a semear, os outros levavam para casa comida e eu não!" "Então mas como é que funcionava antes?" "Antes tinha que trabalhar mais e levava para casa uma miséria!" "Sim, eu sei, mas que trabalhos é que faziam nas terras?" "Antes íamos fazendo o que o Capitalix dizia." "Sim, eu sei! Mas isso incluía depois de colher, semear não era?" "Claro, senão deixávamos de ter plantas para colher!" "Então porque é que não estão a semear agora?!" "Porque agora nós levamos para casa aquilo que colhemos e..." "Ok, ok, já percebemos!".

Assustados com o que isto implicava, Centralix e Centrolix correram para o celeiro enquanto comentavam entre si que pelo menos ainda tinham lá comida suficiente para ir alimentando a população enquanto voltavam a semear os campos. Chegados lá verificaram no entanto horrorizados que o celeiro estava vazio. "Boa tarde, o senhor foi escolhido para tomar conta do celeiro não foi?" "Sim senhor." "Então porque é que o celeiro está vazio?!" "Porque é que está vazio? Porque o Capitalix já não é dono dele, claro!" "Mas o que é que isso tem a ver com estar vazio?" "Então, o Capitalix é que fechava a comida toda no celeiro e pagava-nos uma miséria! Quando ele fugiu, a comida do celeiro passou a ser de todos." "Isso é verdade mas porque é que a levaram toda?" "Depois de tanto tempo a trabalhar muito e comer pouco, merecíamos finalmente beneficiar do proveito do nosso trabalho ou não?" "Sim, mas..." "Pronto, como estava aqui esta comida toda não foi preciso ir colher mais durante algum tempo. Todos fomos levando comida para casa e o Esquerdix e os caçadores sabiam porque também vieram cá com amigos buscar muita comida." "Pois...já percebemos. Obrigado...".

Afinal o passeio já não estava a ser assim tão bom como parecia inicialmente. Centralix e Centrolix, em pânico com o que tinham descoberto, decidiram percorrer todos os terrenos à volta da aldeia para perceber quanto tempo ia durar a comida que ainda restava. Podiam contar com os javalis que os caçadores traziam da floresta mas nunca seriam suficientes para todos. Chegando à conclusão que não demoraria muito tempo até a aldeia ficar sem comida, decidiram rapidamente que enquanto o Centrolix se dedicaria a organizar as coisas para Portugalix voltar a produzir comida suficiente, o Centralix iria visitar as outras aldeias por onde tinha estado na tentativa de arranjar comida emprestada para alimentar a população até a produção recuperar.


Na aldeia, Centrolix meteu mãos à obra: organizou os camponeses de forma a que fossem por turnos semeando os campos agora vazios enquanto que os que colhiam passaram a ter que racionar os alimentos em vez de levar tudo o que queriam para casa. Isto não foi obviamente bem aceite e quando os camponeses percebiam que ninguém estava a ver, voltavam a levar tudo o que podiam. Centrolix acabou por pedir ajuda ao Direitix que assim pôde matar saudades dos tempos em que também vigiava os campos para o Capitalix.

Entretanto o Centralix foi arranjando quem lhe emprestasse comida pelas outras aldeias. Ele garantiu que era só uma situação temporária e que daí a algum tempo iriam devolver a comida toda e mais alguma para compensar. Não foi difícil convencer os seus amigos nas outras aldeias disso: o Chefe tinha deixado Portugalix num estado lastimável e só agora é que ele e o seu irmão estavam a começar a tratar dos problemas mas que por isso mesmo, tudo iria mudar em breve.

Quando Centralix voltou à aldeia com um carregamento de alimentos e garantias de que outros se seguiriam, percebeu que tinha chegado na altura certa: os camponeses já não estavam a obedecer ao Centrolix e não só levavam alimentos quando ninguém via como também se recusavam a semear se a quantidade de comida que cabia a cada um não fosse aumentada. Tal como o Sindicalix lhes tinha dito, esse era agora um direito adquirido deles!

Com o novo aumento de comida disponível apaziguaram-se os ânimos, todos puderam voltar a levar mais comida para casa e voltaram-se também a semear os campos. Centralix e Centrolix tentavam diminuir a quantidade de alimentos que eram comidos mas paravam quando começavam a ouvir o Sindicalix, com medo que os camponeses deixassem de semear. Acima de tudo não se podia parar de semear!

Aquilo que não ia sendo comido era enviado para as outras aldeias como pagamento pelos alimentos que tinham recebido mas começou a ficar claro que não era suficiente para pagar a dívida toda. Centralix lembrou-se de pedir comida a umas aldeias para enviar para outras como pagamento mas depressa isso se tornou evidente e os seus amigos começaram a exigir ir a Portugalix para verem o que estava a acontecer antes de emprestarem mais comida.

Chegados à aldeia os amigos de Centralix pediram-lhe primeiro para falarem com os donos das terras para perceberem porque é que a produção estava tão em baixo. "Pois, na verdade os donos somos todos nós." "Como dono ser nós? O que querer dizer?" "O antigo dono fugiu e as terras passaram a ser da aldeia." "Então não haver dono!" "Não, os donos somos..." "Não haver dono! Não dono só querer comer! Só dono querer guardar e vender!" "Nós também queremos guardar! Temos um celeiro e a comida que sobra vai para lá!" "Haver comida em celeiro?" "Bem...neste momento exacto não, mas..." "Sem dono nós não emprestar comida.". Apesar das tentativas de Centralix em convencer os seus amigos, teve que enfrentar a realidade de que teria que arranjar novos donos para as terras se quisesse mais comida emprestada.

Ao discutirem o problema da propriedade dos campos, os dois irmãos chegaram à conclusão que o melhor era dividirem as terras em bocados e venderem cada um por comida. Assim arranjariam muitos donos em vez de um novo Capitalix e comida suficiente para substituir os empréstimos durante algum tempo. Foi difícil convencer o resto da aldeia, até porque o Esquerdix insistia que isso seria voltar ao tempo do Chefe, mas o argumento de que acabariam por ficar todos sem comida se não fizessem nada acabou por ser forte o suficiente.

As terras foram então divididas em muitos bocados com tamanhos parecidos e postas à venda. Como a aldeia tinha vivido um período em que todos partilhavam a comida, ninguém a tinha agora em quantidade suficiente para comprar um dos bocados. A excepção foram os camponeses que tinham aproveitado as alturas em que o celeiro tinha comida ou em que tinham chegado os carregamentos de outras aldeias para levarem às escondidas uma boa parte para casa e também aqueles que tinham conseguido enganar o Centrolix e fazer a mesma coisa quando todos deviam estar em contenção.

Estes camponeses tinham comida guardada suficiente para comprar um terço dos terrenos o que era pouco, na opinião dos governantes. Foram então a outras aldeias tentar convencer pessoas a virem comprar terras e morar para Portugalix. Não vieram muitas mas foram as suficientes para outro terço ser comprado. Centralix e Centrolix resignaram-se com a ideia de que o outro terço continuaria mesmo a ser da aldeia. Dois terços das terras passarem a ter dono já é uma mudança muito grande e de certeza que os amigos do Centralix iriam ficar satisfeitos e voltar a emprestar comida. De qualquer forma esse terço viria a diminuir no futuro com bocados a passarem a ter novos donos, curiosamente sempre pessoas próximas de pelo menos um dos dois irmãos, sem que se percebesse bem que quantidade de comida tinha sido paga em troca.

O que é certo é que a produção de facto aumentou. A maior parte dos camponeses não tinha tido a "sorte" de ter comida suficiente para comprar terras e teve por isso que se sujeitar a voltar a trabalhar em terra alheia e a levar para casa o que fosse combinado. De qualquer forma com muitos proprietários, cada um a oferecer condições diferentes e o Sindicalix sempre atento a qualquer situação de exploração dos camponeses, ninguém tinha realmente grande razão para se queixar. Como a aldeia já conseguia pagar melhor, os amigos do Centralix voltaram também a emprestar comida. Centralix e Centrolix sabiam que se tentassem a sério podiam conseguir pagar os empréstimos todos das outras aldeias mas para quê chatear a população com sacrifícios se a necessidade não era assim tão grande?

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Entretanto os dois irmãos foram sempre sendo escolhidos como governantes nas reuniões da aldeia. O Esquerdix culpava-os e aos "novos Capitalix" de todos os males de Portugalix mas era levado cada vez menos a sério a não ser pelo Sindicalix e o resto dos seus amigos. O Direitix que defendia maior sacrifício dos camponeses e dos caçadores para conseguirem pagar os empréstimos e voltar a encher o celeiro que permanecia vazio, recebia o apoio daqueles a quem não pedia sacrifícios - os donos das terras. O Centralix e o Centrolix como sentiam cada vez mais que eram os únicos a competirem pela governação da aldeia tinham deixado de se entender como antes e daí para a frente iriam fazer questão de governar sozinhos mesmo que tivessem menos de metade da população a apoiá-los.

Ao fim de algum tempo, Centralix recebeu o convite de alguns dos seus amigos para que Portugalix se juntasse a um grupo de aldeias que tinha um acordo para facilitarem a troca de comida e de pessoas entre si, para que todas ganhassem com uma maior variedade de alimentos e de conhecimentos. Centralix ficou encantado com a ideia e logo aceitou o convite. Troca de alimentos e conhecimentos com as outras aldeias só poderia beneficiar Portugalix!

Ao começar a trocar ideias com as outras aldeias, ficou claro que Portugalix tinha muito que se desenvolver. "O quê? Caçadores usar mocas?! Nossos usar armadilhas! Nossos caçar como dez vossos!" "Armadilhas? Mas o que é isso?" "Vir à minha aldeia ver. E camponeses usar quê a lavrar? Mãos? Eheh!" "Errr...não, os camponeses usam enxadas." "Enxadas?! Nossos usar cavalos e arados!" "Arados, o que é isso?" "São...vir ver!". Aparentemente durante o longo governo do Chefe a aldeia ficou parada no tempo enquanto as outras se desenvolviam. Agora estava na altura de recuperar e as outras aldeias até se dispunham a ajudar, porque queriam que Portugalix fosse capaz de produzir em quantidade suficiente para pagar os empréstimos e para poder comprar comida das outras aldeias e também para que todos beneficiassem dos tipos de alimentos que só se produziam lá. "Nós emprestar para caçadores comprar armadilhas e camponeses comprar cavalos e arados!" "Muito obrigado! Vamos já pôr mãos à obra para modernizar a aldeia!"

Em Portugalix todos lançaram vivas pela nova comida que estava a ser distribuída. O governador explicou rapidamente que ela se destinava a ser usada para comprar novas ferramentas mas não se demorou muito no tema porque ele próprio não tinha percebido bem como funcionavam e de qualquer forma preferia salientar que tinha sido ele a conseguir trazer toda aquela ajuda. "Percebeste o que ele disse quando nos deu a comida?" "Acho que é suposto comprarmos matilhas com isto." "Matilhas? Mas isso não faz sentido nenhum!" "Pois não mas foi o que eu percebi. Eu vou mas é guardar tudo e sempre dá para ficar uns tempos sem ter que caçar!". Noutro ponto da aldeia: "Para que é que eu vou comprar cavalos e esses arados se há tantos camponeses por aí? Se os fosse comprar depois tinha que levar com o Sindicalix a gritar que estava a deixar os camponeses sem terra nem trabalho!" "Não ligues. Estes gajos acham que as aldeias são todas iguais. Aqui sempre foram os camponeses a trabalhar o campo porque é que havia de mudar agora?" Entretanto os dois irmãos iam ficando orgulhosos de todo o investimento que estava a ser feito na produção da aldeia.

Algum tempo mais tarde o Direitix começou a alertar que nada estava a mudar e que se estava só a distribuir ao desbarato a comida que vinha emprestada das outras aldeias. Confirmando que era verdade, o irmão que estava a governar no momento tentou perceber por quê e concluiu que era resistência à mudança. Para garantir que os alimentos eram usados para investir na sua actividade e não simplesmente para comer passou então a pedir que os caçadores entregassem as suas mocas e os camponeses as enxadas em troca de receberem a comida. Certamente agora teriam que ir comprar as novas ferramentas de trabalho!

Perante isto alguns desconfiaram e decidiram deixar de receber comida, outros ficaram radiantes porque acharam que nunca mais iam ter que trabalhar e também houve alguns que de facto foram comprar as novas ferramentas, especialmente os que tinham vindo de outras aldeias para serem donos de terras. Depois da distribuição de comida a produção estava mais ou menos igual, com o aumento de produção de quem tinha comprado as novas ferramentas a ser compensado por quem tinha deixado de produzir por agora não ter nem novas nem velhas. Eventualmente tiveram que vender as terras ou abandonar as zonas de caça.


Não ficaram no entanto sem fazer nada porque entretanto as pessoas que trabalhavam na aldeia, mensageiros, etc. foram-se fartando de ver os resistentes iniciais a trabalhar muito menos que eles e a comer o mesmo e por isso acabaram por ir todos trabalhando menos. Cada vez que Centralix ou Centrolix assumia a governação já sabia por isso que tinha que arranjar mais pessoas para fazer o mesmo trabalho. Todos trabalhavam ao início até perceberem que os outros não se mexiam. Cada um dos governantes tinha tentado em certas alturas convencer uma parte das pessoas a voltarem a trabalhar nas terras ou na floresta mas contavam invariavelmente com a resistência feroz do Sindicalix que reunia sempre o apoio dos camponeses e caçadores que não percebiam porque é que os dois irmãos tinham sempre a vontade sádica de tirar o trabalho às pessoas. Ainda por cima quando tinham sempre que esperar para qualquer tipo de serviço! Se é preciso alguma coisa é aumentar o número de pessoas e não diminuir!

Como ser governante significava visitas às outras aldeias, mais comida, vendas de terrenos a amigos a preços especiais, etc. Centralix e Centrolix não esperavam por grandes manifestações para pararem imediatamente de insistir em devolver funcionários aos campos ou floresta, mesmo sabendo que a maior parte das pessoas que trabalhavam na aldeia só o faziam de forma figurada ou horizontal. Eventualmente os donos de terras, camponeses e caçadores tiveram que passar a entregar um terço da comida que produziam ou recebiam para se poder alimentar quem se tinha dedicado à causa nobre de servir a aldeia, não tendo por isso possibilidade de arranjar comida directamente.

Alguns donos de terras estavam a sentir falta dos empréstimos de comida. Não porque não tivessem comida mas porque quando lhes era entregue já pronta em vez de terem que a produzir, por um motivo qualquer difícil de explicar tinha outro sabor. Os governantes foram tendo por isso a preocupação de ir sempre perguntando pelas outras aldeias o que é que poderia justificar novos empréstimos de comida. Agora que Portugalix já tinha supostamente as mesmas técnicas de produção, responderam-lhe que a única coisa que justificaria empréstimos seria a produção de alimentos de que eles tivessem falta. Portanto se alguém comprasse um terreno e não soubesse o que plantar, receberia um empréstimo se escolhesse plantar um desses alimentos. Ao ouvirem esta informação do seu governante, os donos de terras que não tinham ainda nada cultivado escolheram imediatamente plantar esses alimentos para terem direito ao empréstimo de comida. Outros que já produziam outra coisa qualquer arrancaram alegremente a plantação para poderem também dedicar-se à cultura recomendada. Passou a ser normal a partir daí o irmão no governo ir anunciando qual era o produto mais apetecido nas outras aldeias para os donos das terras mudarem rapidamente o que lá tinham plantado e receberem novo empréstimo. Por vezes nem chegavam ao momento da colheita antes de arrancar e substituir a plantação. Para quê? A colheita tinha vindo logo ao início! Não havia nada tão rápido a dar resultados!

Enquanto isso a aldeia também estava a ser melhorada. Os dois irmãos tinham conseguido ir convencendo as outras aldeias a emprestarem comida para dar a pessoas que trabalhassem permanentemente a melhorar e aumentar as ruas da aldeia, as casas, as estradas para as terras, etc. Tinham convidado amigos para tomarem conta das obras, como é natural, para garantirem uma boa comunicação e para terem a certeza que o resultado final seria do seu agrado. Os trabalhos lá foram sendo feitos, aparentemente sem fim à vista, ora porque havia um imprevisto qualquer com que não tinham contado: "É suposto a casa ter telhado?! Nunca ninguém nos disse isso!", ou porque o governante do momento ia pedindo uns arranjos especiais à volta desta ou daquela casa ou terreno, que eram logo substituídos por outra coisa qualquer quando mudava o irmão. Isto sempre com comida a chegar por empréstimo, claro.

A aldeia também se orgulhava de ter bons curandeiros, juízes, sábios e outras pessoas que tinham ido das terras para a aldeia há mais ou menos tempo, dedicarem-se a uma função específica. Com tanto tempo de dedicação tinham atingido uma qualidade reconhecida e invejável também nas outras aldeias. Facto que quem governava não se cansava de lembrar. Claro que como precisavam de continuar a dedicar-se ao aprofundamento da sua área e se achavam acima de preocupações mundanas, eram os aprendizes que se tinham dedicado à área há menos tempo que atendiam, tratavam, ensinavam, etc. a população da aldeia, o que causava muita demora e resultados duvidosos. De qualquer forma, ninguém tinha dúvidas que com tão distintas figuras, Portugalix gozava de grande qualidade na prestação desses serviços e os governantes proclamavam que era o seu principal objectivo garantir que toda a população continuasse a beneficiar disso e que qualquer sacrifício valeria a pena para garantir que assim fosse.

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Para conseguir cumprir esse objectivo de manter toda a população a beneficiar dos vários serviços e também para pagar as obras e pagar o aumento de funcionários da aldeia e pagar os empréstimos de comida para compensar a falta de produção e para pagar outros empréstimos anteriores, etc. foi preciso outra vez aumentar a quantidade de comida que os donos de terras, camponeses e caçadores iriam ter que pagar. Desta vez passou para metade, o que foi classificado como um roubo por todos. Preocupados com a contestação, os irmãos, que já não se falavam, começaram a garantir a todos que já não iam trazer mais pessoas do campo ou da floresta para trabalhar na aldeia e que iam parar de pedir empréstimos de comida para os donos de terras e que iam diminuir a quantidade de obras.

De início estas promessas pareceram bem à população mas depois começaram a perceber que os mais novos que tinham aprendido com os sábios como fazer um trabalho qualquer na aldeia (tudo menos camponês ou caçador, claro!) já não podiam trabalhar lá porque não haviam novos lugares. A maioria dos que tentaram trabalhar no campo ou na floresta não foram bem recebidos porque quer camponeses quer caçadores não queriam ter que partilhar a produção com mais ninguém porque já estavam a ter dificuldade em dar metade à aldeia e ainda ficarem com comida suficiente para si. Os poucos que ainda pensaram formar grupos para caçar em partes entretanto abandonadas de floresta ou para trabalhar em terrenos da aldeia que ninguém estava a aproveitar acabaram por desistir depois de esperar longamente que os seus pedidos percorressem todos os funcionários responsáveis por dar uma opinião antes da decisão final ser pedida ao governante. No fim, alguns iam conseguindo trabalho como camponês ou caçador, os mais aventureiros foram para outras aldeias trabalhar, os restantes ficaram simplesmente à espera de dias melhores, aproveitando por vezes para ir aprendendo mais umas coisas com os sábios. O Esquerdix é que passou a gozar de nova popularidade já que continuava a defender que tudo devia ser da aldeia e que todos tinham o direito de ir buscar o seu alimento directamente.

Entretanto, apesar do esforço por diminuir os custos, a solução de ir pagando empréstimos de comida com comida emprestada e vice-versa, praticada durante tanto tempo e a ideia clara do Centralix e do Centrolix de que não podiam aumentar mais a quantidade de comida paga pela população produtiva, nessa altura já uma minoria, sabendo que se o fizessem arriscavam-se a ter o mesmo destino do Chefe, fazia com que os empréstimos de comida fossem cada vez mais difíceis de pagar o que começou a atrair a atenção das outras aldeias. Quando aconteceu um período de seca pouco habitual, os acontecimentos precipitaram-se. Sabendo que daí a pouco tempo iriam passar a vergonha de receber outra visita dos "amigos" para perceber o que se tinha passado, Centralix e Centrolix começaram a gritar por toda a aldeia culpando-se um ao outro do que tinha corrido mal, tentando numa fase final de desespero até empurrar um para o outro o papel de governador da aldeia, qual batata quente.

"Nós mandar comida para comprar ferramentas, nós mandar comida para plantar outra comida que nós querer, nós mandar comida para obras em aldeia! Como não ter comida? O que acontecer?!" Depois de um breve silêncio, toda a aldeia se pôs a justificar ao mesmo tempo: Os caçadores disseram que a culpa era dos dois irmãos por lhes terem tirado as mocas e por estarem a tirar metade da comida. Os camponeses culparam também os dois irmãos por tirarem metade da comida, por terem vendido as terras todas e por depois ainda terem dado comida aos donos de terras para comprarem cavalos e arados. Os donos de terras também culparam os irmãos por tirarem metade da comida e por terem-nos feito arrancar as excelentes plantações que tinham antes para passarem a ficar dependentes da comida das outras aldeias. Os funcionários da aldeia tinham muitas ideias bastante complexas, às quais tinham dedicado muitos dias de análise, para explicar o que tinha acontecido, mas todas se contradiziam entre si. O Esquerdix e o Sindicalix disseram que a culpa era dos dois irmãos, do Direitix e dos "novos Capitalix". O Direitix disse que a culpa era dos dois irmãos, do Esquerdix, do Sindicalix e de quem tinha vindo de outras aldeias. Quem tinha vindo de outras aldeias não disse nada porque estava a ir-se embora. O Centralix disse que a culpa era do Centrolix. O Centrolix disse que a culpa era do Centralix. Entretanto, enquanto isto acontecia no centro da aldeia, os javalis rebolavam felizes com as suas famílias numerosas nos terrenos há muito por cultivar que a rodeavam.

terça-feira, 29 de março de 2011

Que futuro?

Pá eu acho que apesar da crise e das conclusões de um estudo muito bom que até foi feito nos Estados Unidos com base nos testes realizados a uma amostra alargada, composta por um total de 3 pessoas, todas membros da equipa de investigação (isto sou eu a imitar a introdução a uma "notícia" do telejornal), para mim e para quem me conhece, não há tema que encaixe tão bem no meu início de frase / marca registada "Pá eu acho que..." do que: "...no futuro...". Fórmula que é acompanhada invariavelmente por um semicerrar dos olhos que se fixam imediatamente no horizonte real ou imaginado. A minha mulher fica logo bem disposta quando me ouve iniciar uma frase dessa forma, antecipando os momentos de diversão que mais uma ideia mirabolante lhe trará.

Desde sempre que o futuro me pareceu muito mais interessante que o presente e quando por um inoportuno acaso as coisas imaginadas como fazendo parte do futuro vêm de repente parar ao presente, para mim perdem logo quase toda a magia. O presente é um oferecido, olhamos à volta e está tudo escarrapachado! O futuro sim é um desafio. É preciso conhecer bastante bem de onde vimos e o que verdadeiramente nos move para conseguir ter uma boa ideia do que acontecerá no futuro. O passado é o meio termo. Existe informação sobre ele mas é preciso contar com o duplo efeito iceberg: daquilo que sabemos, só 1/7 é verdadeiro e o que sabemos que é verdadeiro dá-nos ideia de apenas 1/7 do que aconteceu de facto. A proporção 1/7 é apenas um exemplo baseado nos icebergs reais, claro. Quanto mais antiga a época maiores os denominadores dos dois efeitos, se bem que no caso do primeiro a variação é muito menos significativa que no do segundo. Por exemplo: não é óbvia a origem da crise em Portugal e qual a solução para ela. Será que isso acontece por não termos tido informação suficiente sobre o passado recente ou pelo contrário por sermos bombardeados constantemente por todo o tipo de informação que acaba por quase impossibilitar a identificação daquela que é verdadeira e útil?

De qualquer forma, sempre me senti fascinado por aquilo que não existe mas que a qualquer momento pode ser resgatado pela imaginação para entrar no domínio do real. Quando estava na primária e me perguntavam o que é que eu queria ser quando fosse grande, respondia sempre: "Quero ser médico mas tenho jeito para inventor!". Todos achavam graça à resposta e diziam algo como: "Boa! Assim pode ser que descubras a cura para o cancro." mas o meu interesse pela medicina foi efémero, se é que alguma vez existiu. Já o pela invenção ou, mais genericamente, pela imaginação, não se desvaneceu. Aliás devo confessar que apesar da crise e de os homens não serem supostamente dotados para o multitasking, o meu cérebro está permanentemente dividido em 4 funções (também se deve ocupar entretanto de funções básicas como respiração e batimento cardíaco senão provavelmente já me teria apercebido): 1 - a tarefa que estou a fazer no momento, como a trabalhar, a escrever no blog, etc.; 2 - uma avaliação dessa tarefa que estou a fazer, de qual a sua verdadeira importância e de como ela poderia ser feita melhor ou mais rapidamente; 3 - uma apreciação da utilidade dessa tarefa no futuro, de quando e como se tornará obsoleta, etc.; 4 - a banda sonora, que é normalmente a repetição contínua da última música que ouvi ou em que pensei conscientemente. A minha produtividade não é portanto grande coisa como podem imaginar!.

Estar sempre a pensar no futuro faz no entanto com que além de visões longínquas também me ocorram frequentemente ideias de possível aplicação imediata, mas admito que ainda não consegui levar nenhuma à prática, normalmente porque implicariam um investimento inicial que não posso ou quero financiar. De qualquer forma tenho alguma motivação em ver essas ideias serem concretizadas alguns anos depois como por exemplo as molduras digitais, os leitores de e-books sem emissão de luz, menus de restaurante electrónicos usando tablets, etc. A minha última ideia que estou à espera um dia destes de ver noticiada num telejornal é a de um sistema ERP pessoal. Ou seja, um sistema de gestão integrada que, em vez de servir para ajudar a dirigir e administrar uma empresa, ajudaria a gerir a vida de cada um. Teria módulos de gestão de relações (CRM), gestão de tempo/tarefas, gestão de carreira, gestão financeira, gestão estratégica com encadeamento de objectivos pessoais, etc. Teria toda a informação armazenada para nos ajudar quer a tomar decisões importantes quer a fazer as tarefas do dia-a-dia. Se ele pudesse usar os recursos das redes sociais e outros disponíveis online, potenciaria enormemente a eficácia de vários módulos como os da gestão de relações e carreira - acesso do sistema a informação sobre contactos, a ofertas de emprego, a estatísticas de saídas profissionais para diferentes áreas, a aplicações financeiras, etc. Este sistema poderia estar num suporte como um smart phone por exemplo para facilitar o uso contínuo.

O futuro mais longínquo torna-se mais complicado de prever. Tal como disse o mestre Yoda: "Difficult to see. Always in motion is the future". Eu não acredito em destino, profecias, horóscopos, ou o que quer que seja que faça parte desse domínio e acho piada a pessoas que ainda tentam racionalizar algumas dessas práticas dizendo por exemplo "sim, xpto é uma vigarice mas os signos fazem sentido porque têm a ver com a combinação das forças gravíticas dos planetas que nos influenciaram quando nascemos". O que normalmente não ocorre a essas pessoas é que mesmo assumindo que somos influenciados de alguma forma pela gravidade e apenas especialmente no momento do nascimento, a força gravítica de corpos muito mais pequenos mas muito mais próximos é maior que a de qualquer planeta (exceptuando o nosso, claro). De qualquer forma é insignificante em qualquer dos casos - todos sentimos num momento qualquer da vida uma atracção especial e forte por alguém, mas não se lembram de ter caído para cima de uma pessoa por causa da sua gravidade pois não? Bem, pode ser uma desculpa imaginativa! "Eu queria sair de cima de si mas a sua gravidade é tão forte que não consigo resistir!" "Compreendo perfeitamente: a minha mão está repetidamente a ser atraída pela sua cara e o meu joelho pelo seu baixo ventre!". Para garantir melhores resultados não se esqueçam então da próxima vez que vos fizerem uma carta astral de indicarem pormenorizadamente onde estavam quando nasceram, qual era a mobília do quarto e onde é que estava cada pessoa para que assim seja possível verificar toda a combinação de forças gravíticas. "Júpiter em Escorpião sugere que este é mesmo o amor da sua vida mas como o obstetra estava em Peixes e a enfermeira em Capricórnio eu não arriscaria!".

Já vos aconteceu alguém dizer-vos: "Eu não acho que os videntes consigam mesmo adivinhar a nossa vida, por isso fui a dois e assim já sei que o que me disseram os dois em comum é que está certo!" (com um sorriso orgulhoso pela esperteza)? A mim já aconteceu e posso dizer que nesse momento estava a pensar: "dou-lhe um estaladão ou não vale a pena? Dou-lhe um estaladão ou não vale a pena? Dou-lhe um estaladão ou não vale a pena?...".

Sobre as profecias, é engraçado verificar que as mais famosas são sempre as menos objectivas. Em cada década retiram-se interpretações diferentes do mesmo grupo de palavras aleatórias: primeiro era a queda de um império, depois uma invasão, a 2ª Guerra Mundial e agora já era o 11 de Setembro. É pena é que, entre todos os profetas, não houve aparentemente nenhum que soubesse escrever de forma clara o que viu. Não duvido que tenham visto alguma coisa, mas essa visão necessitou do consumo de substâncias psicotrópicas em tal quantidade que deu irremediavelmente cabo da capacidade comunicativa do vidente, pelo menos com criaturas do nosso plano existencial. Ainda está por descobrir uma profecia objectiva como: em 2010 vai surgir um blog que vai trazer sofrimento atroz a todos os que o lerem. Ah, ok, isto também continua a ser aplicável a milhares de casos...

Ainda pior que as profecias escritas são os que as vêem no meio de textos sagrados e outros. Pelo menos os profetas ainda se deram ao trabalho de escrever versos! Tudo bem que não têm grande qualidade poética, mas pelo menos esforçaram-se e não terá sido pouco tendo em conta a sua sanidade mental (como referido acima). Agora ir fazer sudoku na carta de São Paulo aos Gálatas e depois meter tudo num livro a dizer que o mundo vai acabar e vender milhares de cópias, é um belo negócio sim senhor! Merecedora sem dúvida de uma cegueira divina instantânea... Eu também consigo encontrar o nome de todos os campeões do mundo de futebol num post meu, seguindo uma chave especial que só eu é que sei. Tenho que publicar isto e vender a quem queira ganhar apostas.

De qualquer forma, saindo do domínio do metafísico e transcendental, apesar de não acreditar que dê para ver ou adivinhar o futuro, acho que dá para deduzir que acontecerão alguns eventos importantes, mas não quando ou por que ordem. Lembrando o que escrevi no post anterior, tudo funciona de uma forma caótica e não linear. Por isso por exemplo se encontramos um rio, sabemos imediatamente que ele vai acabar no mar, mas não podemos saber onde ou quanto tempo depois. Mesmo sabendo que o mar está a 10 km, o rio ainda poderá correr paralelamente à margem por muito tempo antes de chegar à foz. Da mesma forma se vir alguém a jogar golf sei que a bola irá cair no buraco mas isso pode acontecer depois de 3 tacadas ou 300...

Existem assim pontos ou passos ou nódulos de desenvolvimento ou o que se quiser chamar que irão mais tarde ou mais cedo ser cumpridos mas sem que seja possível saber quando ou de que forma ou sequer por que ordem. Por exemplo se estivéssemos no século II ou III poderíamos imaginar que determinados desenvolvimentos em medicina ou engenharia seriam alcançados no futuro mas não que por causa de movimentações de povos nómadas, radicalização religiosa, etc. isso só iria acontecer por volta do século XIX. Da mesma forma, quando depois das guerras napoleónicas e por consequência delas a Europa ficou dividida em maiores e muito menos Estados independentes, tornou-se mais ou menos evidente que a recém formada Alemanha tinha população, recursos e infraestruturas para se vir a tornar o país mais poderoso do continente, apesar de não ter colónias. O processo de deslocação do centro da Europa da Inglaterra para a Alemanha provocou as duas maiores guerras da história e demorou cerca de 150 anos mas o que é certo é que hoje e através principalmente da União Europeia (uma via pacífica quem diria!), a Alemanha já ocupa incontestadamente essa posição.

Hoje em dia olhamos para a China como estando numa situação semelhante. Têm população, recursos e infraestruturas para se tornarem o centro mundial e já dominam economicamente os Estados Unidos, onde tem estado o poder pelo menos desde a 2ª Guerra, por isso se não houver uma mudança radical, mal ou bem, demorando muito ou pouco, o centro irá para lá. Até agora foram sempre países de cultura europeia ocidental que ocuparam essa posição (antes do século XVII só podemos falar em centros regionais) por isso seria uma alteração dramática na ordem mundial, nos valores e política dominantes, etc. Seria uma mudança tão grande especialmente para os países como o nosso, habituados a ocupar o lugar de topo da "cadeia alimentar", que muito dificilmente poderia acontecer de modo pacífico.

As maiores fraquezas da China são o regime político central e autoritário (apesar de muito aberto economicamente) e o facto de incluir muitas minorias étnicas mesmo com processos passados e em curso de os deslocalizar e substituir por chineses. É de esperar por isso que a oposição ao regime e os movimentos independentistas locais sejam apoiados cada vez mais como forma de enfraquecer o país. Aliás, apesar da China estar muito mais aberta ao ocidente e ser identificada como amiga, aliada, etc. a visibilidade da oposição e de movimentos independentistas está a crescer, com por exemplo o maior destaque dado à causa pela independência do Tibete, adormecida durante décadas, e recentemente com a atribuição do prémio Nobel da paz a um contestatário ao regime. A necessidade de importar petróleo de outros países, sobretudo africanos, poderá ser também explorada.

Eventualmente o cenário poderá ser o de uma guerra fria em palcos como a Coreia com o objectivo de isolar e desagregar a China como aconteceu com a União Soviética. Se considerarmos no entanto que basta à China vender toda a reserva que tem de USD para causar uma crise no mundo ocidental ao nível da de 1929 e maior que a actual, é fácil concluir que um confronto político assumido só será uma opção de último recurso.

Continuando a prever o futuro, qualquer português consegue deduzir que o próximo governo será liderado pelo PSD. Depois de um ou dois mandatos será liderado pelo PS, depois pelo PSD, ... A oscilação do poder executivo em Portugal segue um princípio estocástico - caótico dentro de limites definidos, ou seja, não dá para saber se daqui a 20 anos o governo será PS ou PSD mas, se nada de fundamental acontecer, como o surgimento de um novo partido de poder, será certamente um dos dois. E também me arrisco a prever que o país estará em crise!

"No futuro" é então o quinto e último tema deste blog e talvez o meu mais caro. Tenho é o desafio a partir de agora de escolher assuntos dentro deste contexto que sejam minimamente interessantes para alguém que não eu, ou tão estranho como eu, e sobretudo que não motivem um processo de internamento compulsivo num hospital psiquiátrico!

De qualquer forma, como sugeri no post "Grandes para quê?", acho que cada um deve ler os posts por tema e não cronologicamente, escolhendo só o que lhe interessa. Estou a pensar até em mudar o design do blog para dividir os temas por separadores e assim facilitar que a leitura seja feita dessa maneira.

Para concluir quero só dizer que estou contente porque consegui acabar a fase de introdução do blog em apenas meio ano! Continuando a este ritmo, o centésimo post será escrito por um neto meu... e isto é uma dedução, não uma adivinhação!

terça-feira, 15 de março de 2011

O fundo da realidade


Pá eu acho que apesar da crise (tenho que utilizar esta fórmula mais vezes para aumentar a aceitação do que escrevo) uso mais "Pá eu acho que no fundo..." do que "Pá eu acho que na realidade..." para começar uma divagação sobre um tema qualquer que não pertença a nenhuma classificação óbvia como "em Portugal" por exemplo, e a minha mulher concorda. Apesar disso achei que se usasse "no fundo" como nome para esta parte do blog ia criar a expectativa de se tratar de um espaço onde ia falar de quem na minha opinião tinha estado menos bem na última semana ou na noite dos Óscares ou no concurso miss t-shirt molhada da concentração de motas de Faro ou algo do género, o que não faz mesmo nada o meu estilo. Para alguém ser referido neste blog ou é porque vou falar muito bem ou é porque vai levar com um barril de napalm.

Para evitar confusões vou então usar "na realidade", se bem que isto acaba por ser um contra-senso já que nada é tão confuso como a realidade, como sabem todos os que viram o filme The Matrix: "What is "real"? How do you define "real"?" e principalmente todos os que já usaram e abusaram de substâncias psicotrópicas: "Aaaaghhhaaauuuaaa...". Mas no fundo a realidade só é confusa para nós porque tentamos compreendê-la e isso é simplesmente areia de mais para a nossa camioneta:

Todos os seres vivos são mecanismos que acumulam estímulos exteriores e executam determinadas reacções a esses estímulos (por exemplo o estímulo combinado desta frase introdutória e da quantidade de texto que ainda falta ler está neste momento a provocar uma reacção de extremo entusiasmo!). Com o aumento de complexidade de processamento dos estímulos, vão ganhando a capacidade de relacionar vários estímulos para uma reacção, guardar um registo dos estímulos recolhidos ao longo do tempo para conseguir uma reacção mais precisa mesmo que momentaneamente não existam estímulos (memória) e até a nossa faculdade de visualizar estímulos que não aconteceram e quais seriam as reacções possíveis (imaginação).

O encadeamento dos três tipos de processamento acontece naturalmente em nós. Um exemplo comum: é o primeiro aniversário do Martim (a ultrapassar Guilherme na lista de preferências pelo que ouço dizer (esforço hercúleo para me ficar por aqui - talvez num próximo napalm)) e ele está fascinado com a única vela em cima do bolo. A cor, luz e movimento são estímulos que motivam a exploração. Num momento de distracção geral consegue tocar na chama e recebe logo o estímulo de dor com uma intensidade que se sobrepõe aos outros e reage como todos sabemos. Este estímulo foi também intenso o suficiente para ficar guardado na memória e ele não voltará provavelmente a repetir a experiência (ok, com este nome deve precisar de repetir para perceber). Mais tarde quando se deparar com um fogão eléctrico, conseguirá imaginar o estímulo que receberá se tocar nele apesar de não existir chama.

Podermos imaginar faz com que tenhamos a dupla possibilidade de: ou continuar a reagir de acordo com os estímulos que sentimos, ou agir de acordo com a conclusão a que chegamos depois de visualizarmos aquilo que conseguimos imaginar sobre a situação. Tradicionalmente chamamos acto irracional à primeira possibilidade e racional à segunda tal como nos chamamos orgulhosamente racionais a nós e irracionais aos outros. A maior parte do nosso comportamento é motivado no entanto por estímulos reais e não imaginados, por isso quanto muito podemos ser "racionáveis", por termos a possibilidade de ser racionais pontualmente.

Quando falamos com alguém, por exemplo, estamos conscientemente focados na troca de palavras e mesmo antes, ao visualizar a conversa, só imaginámos essa parte ("se ele disser isto lembro-lhe aquilo...", etc.), no entanto existe um jogo inconsciente de troca de estímulos e reacções durante a conversa que vai definir todo o nosso comportamento (ok, há conversas em que nem sabemos o que estamos a dizer por estarmos focados noutro tipo de estímulos mas vamos assumir aqui que se trata de uma conversa típica). Até a única parte da conversa que seria supostamente racional (o discurso) por ser a única de que temos consciência, é modificada pelos estímulos que sentimos: tendo imaginado uma conversa ou até tendo um guião à nossa frente, mesmo assim não dizemos a mesma coisa a duas pessoas sendo uma do mesmo sexo e a outra de sexo oposto, uma nova e outra velha, uma percebida como socialmente ou profissionalmente inferior e a outra superior, estamos num dia "bom" ou num dia "mau", etc.

Como na maior parte dos casos não usamos a nossa imaginação, ficamos tendencialmente presos aos estímulos que tivermos acumulado. Uma pessoa que tiver passado a infância a ouvir que indivíduos de outra raça, religião, nacionalidade, etc. têm uma determinada característica, só deixará de acreditar nisso se acumular estímulos suficientes em sentido contrário, ou se conseguir imaginar que essa opinião não é verdadeira ou que pelo menos deixou de ser verdadeira. A imaginação só funciona a um nível consciente no entanto, daí termos fenómenos como o racismo não explícito. De qualquer forma imaginar essas hipóteses também reequilibra a intensidade dos estímulos recebidos (quem acredita firmemente em algo ignora 9 estímulos contrários em 10 e vê o último como a confirmação).

Isto é mais fácil de dizer do que fazer claro. Especialmente porque, mais uma vez, não estamos isolados. Tendo em conta que os estímulos provocam-nos reacções irracionais e que existem mais estímulos quando estamos em grupo, pela lógica a racionalidade de um grupo não organizado é inversamente proporcional à sua dimensão, como sabem bem todos os que já participaram em reuniões de grupos grandes, assembleias (incluindo a da República), etc.

Quando nos perguntamos como é que foi possível todo um país seguir cegamente um louco numa guerra que matou milhões, a resposta passa fundamentalmente pela utilização da tal irracionalidade das massas alimentada por uma contínua sobre-estimulação com as ideias do regime. A inovação foi o uso como estímulo do método de propaganda "A grande mentira" preconizado pela célebre frase "uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade". Até lá ninguém tinha imaginado que uma população inteira fosse influenciável por uma mensagem claramente errada mesmo que repetida até à exaustão. No fundo trata-se apenas de trazer para a Psicologia o conceito de explosão como visto pela Física: estimulação externa de um determinado material para que se inicie nele uma reacção em cadeia que leva a uma libertação súbita de energia.

Mas para acontecer este tipo de fenómeno não é necessária uma decisão consciente, basta que exista o estímulo suficiente para começar a reacção auto estimulante como em fogos florestais, furacões, etc. Algo do género é o que existe em Portugal provavelmente desde o fim do séc.XVI. Com a contínua perda de importância internacional, riqueza, território e até conhecimento, gerou-se uma onda de derrotismo, vitimização, apatia, sarcasmo, etc. que se tem auto reforçado continuamente até hoje e para alguém fugir dela é preciso isolar-se durante algum tempo de tudo o que seja comunicação social e até mesmo de conversas de grupo porque já é algo totalmente enraizado na nossa cultura. Para todo o país mudar a mentalidade será preciso existirem estímulos em quantidade suficiente que contrariem a ideia mas isso é exactamente o que essa atitude tem impedido. Conseguir que uma parte significativa da população tenha tido a experiência de viver noutra cultura durante algum tempo será talvez o contributo possível de maior impacto.

Individualmente, a única forma de escapar a esse processo estímulo - reacção é então a imaginação. Como é que conseguimos fazer dieta apesar de todos os estímulos nos motivarem a comer maior quantidade e alimentos com maior valor energético? A resposta óbvia é: por imaginarmo-nos mais atléticos, saudáveis, etc. e esse estímulo ser forte o suficiente para bloquear a reacção que ocorreria por defeito. Na realidade, no entanto, arrisco-me a dizer que na maior parte dos casos as pessoas fazem dieta reagindo a estímulos de pressão social já que todos estamos bastante conscientes de qual deve ser o aspecto físico ideal e da hierarquização que é feita com essa base. Pegando numa pessoa que faz uma dieta rigorosa, supostamente por preocupações de bem-estar, saúde, etc. e colocando-a sozinha num supermercado que se auto reabastecesse eternamente e ela tivesse a clara consciência de que nunca mais ia estar com ninguém, será que continuava a comer na secção da fruta e legumes ou passava a ir para os doces? Eu posso dizer que ia para os queijos e enchidos!

Provavelmente não existe nenhum comportamento generalizado que seja motivado pela imaginação mas com ela conseguem-se grandes feitos e avanços civilizacionais. Uma pessoa que tenha uma visão, um sonho, etc. e se agarre a isso para decidir as suas acções independentemente dos estímulos que receber será muito mais provavelmente bem sucedido, pelo menos na realização desse sonho. Em vez de ou para além de reagir aos estímulos do grupo em que está inserido terá também iniciado um novo encadeamento de estímulos porque quem o rodeia irá reagir ao seu comportamento inovador. Com insistência própria e receptividade do grupo, o encadeamento de reacções pode atingir uma dimensão enorme como no caso de grandes líderes.

A nossa imaginação é no entanto, ao contrário do que é costume dizer, muito limitada. Conseguimos imaginar tudo, mas poucos cenários de cada vez (como sabem todos os que já fizeram um sudoku de nível difícil, jogam xadrez, etc.). Por isso é que para compreendermos alguma coisa temos a tendência de a isolar de tudo o resto para que todas as hipóteses sejam possíveis de imaginar simultaneamente. O problema é que quase tudo funciona em interacção com o que o rodeia, tal como nós numa conversa, por isso o isolamento conduz normalmente a conclusões incorrectas porque transmitem uma imagem de linearidade (um estímulo - uma reacção) que não existe num ambiente não isolado. Em não isolamento os comportamentos seguem normalmente o tal padrão de acumulação de estímulos até desencadear uma determinada reacção como: tensão das placas tectónicas até provocar um terramoto, peso da neve até provocar uma avalancha, número de clientes antipáticos até passarmos a tratar mal quem nos apareça à frente, número de erros até sermos despedidos, número de parágrafos até desistirem de ler o post (já chegaram até aqui, só mais um esforço vá lá!). Tudo isto não é linear e não permite conclusões porque não conseguimos imaginar todos os estímulos envolvidos - é confuso, é o caos.

A realidade é então confusa porque não conseguimos imaginar mais que uma pequena fracção de tudo o que a compõe. No entanto, se por um momento deixarmos de nos preocupar em compreender e focarmo-nos só em sentir, ficamos mais conscientes dos estímulos que nos estão a afectar num determinado momento (quente, áspero, doce, sereno, brisa, saudade, etc.) e com o seu conjunto conseguimos ter uma visão de uma pequena parte da realidade - uma visão da nossa realidade. Se aproveitarmos a oportunidade para materializar o que sentimos nesse momento, de uma forma qualquer, não pensada, não estruturada, acima de tudo não compreendida, nasce a obra de arte. Este continua a ser o nosso melhor processo de descrever e partilhar a realidade mas também o menos...compreendido.

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Este post acabou por ficar mais uma dissertação que outra coisa por isso para evitar que me levem a sério acho melhor fazer um alerta:

Aviso legal:
O autor do texto acima não teve a mínima preocupação em fundamentar devidamente o que escreveu, na maior parte dos casos porque o que escreveu não tem qualquer fundamento. Agora a sério: este gajo não percebe nada do que está a dizer por isso não o citem em conversas, textos, ou outras ocasiões potencialmente embaraçosas porque ninguém deste blog será responsável solidariamente por nada a não ser pela gozação resultante.
A leitura deste aviso não dispensa a leitura do post.

terça-feira, 1 de março de 2011

Em Portugal...ou não!


Pá eu acho que Portugal (como região geográfica) historicamente não se governa nem se deixa governar.

Mentira! Quem achou isto foi o Júlio César ou outro romano qualquer da mesma época (porque é que ligamos ao que tipos que se vestiam com lençóis, espanadores e sandálias achavam, mesmo?), não sendo claro exactamente quem, nem se achando sequer registos que evidenciem essa afirmação. Se calhar foi afinal alguém do aparelho de propaganda do Estado Novo que achou que isto era mais uma bela peta romântica a enfiar nos livros de história, achando que em troca dela acharia mais uns tostões no bolso. Ou então é simplesmente algo que todos achamos e achámos e acharam todos os que em Portugal (com esse ou outro nome) se acharam, ou que mesmo fora dele tiveram a oportunidade de interagir com a sua venturosa gente.

Penso que mais importante que saber quem disse a frase e sobretudo mais definidor do que é ser português é por um lado o facto de a frase continuar a sobreviver através de renovadas citações, o que sugere concordância generalizada, e sobretudo por outro lado a forma como essa concordância é feita: a frase na boca de um romano de há uns 2100 anos indicia menosprezo pela forma de organização do adversário e pela sua inteligência ao rejeitar teimosamente a possibilidade de evolução civilizacional, enquanto que a mesma frase na boca de um português há cerca de 2:10 horas enquanto discutia com os amigos a hipótese da entrada do FMI em Portugal indicia orgulho por não nos deixarmos governar mas também um misto de resignação e orgulho disfarçado por o país não se governar (como um pai que repreende o filho por fazer uma asneira mas que interiormente pensa "eh eh, aquele malandro, sai mesmo ao pai!").

Essa resignação e orgulho disfarçado que sentimos por o país não se governar talvez explique porque é que nesse aspecto nada mudou em pelo menos 2100 anos. Conseguimos continuar orgulhosamente a não nos deixarmos ser governados mas aparentemente por outro lado não sentimos na realidade que seja muito importante para nós que o país se governe. Acho que existe um terceiro factor, que os romanos não consideraram por limitação da sua própria cultura mas que na nossa interpretação está implícito porque nem precisa de estar explícito de tão óbvio: é que para cada português o que é mesmo importante é que cada um se possa ir governando a si, independentemente do colectivo. Para a maior parte dos outros povos a lógica é: se o país for bem governado cada um ganha. Para nós o que faz sentido é: se cada um se souber governar o país todo ganha. Portanto permitam-me que complete finalmente a frase: Em Portugal não se governam nem se deixam governar mas cada um vai-se governando!

Isto tem todo o tipo de repercussões no dia-a-dia de um português. Tudo o que tem a ver com o colectivo como regras, leis, objectivos de grupo, prazos dilatados, etc. são conceitos muito difíceis de interiorizar por nós e mais difíceis ainda de pôr em prática. O ideal mesmo é termos o nosso objectivo individual e poucas restrições para podermos desenrascar como for mais fácil. Quanto a prazos, internacionalmente entende-se que curto prazo é menos de um ano, médio prazo entre 1 e 3-5 anos e longo prazo a partir daí, enquanto que em Portugal a convenção é que curto prazo é para já (era para ontem), médio prazo é depois de um café, refeição, etc. e longo prazo é para amanhã. Prazos mais longos são para um português algo que pertence a um domínio mais metafísico, aliás o próprio conceito de "amanhã" já é diferente entre nós e pessoas de outras nacionalidades, gerando frequentes mal-entendidos.

Tudo isto faz com que cada português seja normalmente individualista, pouco organizado e planeado, muito criativo e adaptável, prefira objectivos individuais e de curto prazo, deteste regras mas seja muito flexível. Em resumo, alguém péssimo para ter uma boa produtividade numa actividade contínua e rotineira mas excelente para resolver crises urgentes ou inovar em qualquer área.


Esta ideia é transmitida de forma brilhante por uma história que me foi contada há uns anos: no séc. XVII os holandeses sucederam-nos no domínio do comércio das especiarias por nos terem conquistado alguns portos no que é hoje a Indonésia mas como ainda não conheciam bem aquelas águas perigosas em que centenas de ilhas estão acima ou abaixo da superfície de acordo com a maré (Afonso de Albuquerque naufragou lá depois da conquista de Malaca perdendo uma fortuna avaliada hoje em dezenas de biliões de euros!) tiveram que contratar navegadores portugueses experientes para guiar os navios. O choque cultural entre os comandantes holandeses e os navegadores portugueses ficou guardado num ditado holandês da época dividido em três partes:
"
1 - Nenhum navio pode sair do porto sem ter um português a bordo;
2 - Pergunta: Qual é a primeira coisa a fazer assim que o navio sai do porto?
     Resposta: Prender o português;
3 - Pergunta: Quando é que se deve soltar o português?
     Resposta: Quando tudo estiver a falhar!
"
Devo dizer que o meu chefe é holandês mas até agora ainda nunca me prendeu. Não posso garantir no entanto que nunca tenha pensado nisso...

Por falar em portugueses a trabalhar para estrangeiros, a nossa tendência para a emigração também é facilitada pelas nossas características: motivados por objectivos pessoais, flexíveis, sem sentir decréscimo de segurança significativo por sair do seu grupo de origem, muito adaptável, etc.

Isto é válido tanto para os emigrantes tradicionais como para os emigrantes mais qualificados de agora. Por experiência própria posso também dizer que quem sai de Portugal com alguma experiência de trabalho, habituado aos nossos prazos (descritos acima) é visto no estrangeiro como surpreendentemente calmo, mantendo uma postura zen mesmo quando tem que cumprir com os prazos mais "apertados". Vá-se lá saber porquê!

O problema é que como geralmente só sabemos resolver crises e não planear e preparar tudo metodicamente e antecipadamente, uma organização só de portugueses acaba por ir deixando tudo chegar a urgente antes de ser tratado, o que faz com que pareça que estamos sempre a ir de crise em crise, como pode ser visto pelo próprio país, pela selecção de futebol, etc.

De qualquer forma é preciso admitir que nos temos sabido desenrascar ao longo da história e Portugal não tem mesmo paralelo na estabilidade da sua independência e fronteiras. Um amigo alemão perguntou-me um dia como é que nós tínhamos conseguido essa proeza tendo como vizinho um país que esteve em guerra e invadiu ou tentou invadir quase todas as regiões da Europa e arriscou: "vocês devem ser mesmo bons a andar à porrada!" mas na realidade conseguimos o feito ainda maior de arranjar sempre uma forma mais subtil de chegar aos nossos objectivos. Desde os primeiros registos históricos, passando por Afonso Henriques, Vasco da Gama, as duas guerras mundiais, o 25 de Abril, etc. sempre mostrámos uma enorme capacidade de improvisação e de auto-preservação. Isso faz pensar que será mais provável Portugal existir daqui a uns 500 ou 1000 anos do que outros países mais ricos, maiores, etc. Citando Darwin: "Não é a mais forte das espécies que sobrevive ou a mais inteligente, mas sim a mais adaptável à mudança.".

Se juntarmos a isto o nosso humanismo: primeiro país a abolir a escravatura, primeiro país a abolir a pena de morte, principal porta de saída da Europa para os Judeus durante a 2ª Guerra Mundial, etc., o nosso excelente clima e gastronomia aos quais quem sempre viveu em Portugal nunca conseguirá dar o devido valor, são razões mais que suficientes para ter amor e orgulho pelo nosso país.

De qualquer forma, como bom português, estou no estrangeiro a usufruir de uma qualidade de vida que levaria bastante tempo a ter em Portugal. Talvez um dia (muito) mais tarde volte a viver em Portugal dependendo da evolução do sistema nacional de saúde. Entretanto vou fazendo lá férias de vez em quando claro. Vou também acompanhando o que vai acontecendo, com a serenidade de saber que raramente sou afectado directamente, com a distância suficiente para ver as coisas em perspectiva e com o comparativo de outras realidades. Espero que isso dê alguma relevância às opiniões que vou passar a escrever por aqui sobre Portugal.

Entretanto já sabem: esqueçam o (des)Governo e vão-se governando!