quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Imergir ou emergir: eis a questão - Diagnóstico

Pá eu acho que é de mau gosto vir nesta fase do campeonato com conversas de dívida, deficit, etc. Era baseado nesse tipo de análise que eu tinha pensado começar a fazer o diagnóstico do país mas esse planeamento foi feito semanas antes do pedido de resgate (estou a candidatar-me ao record do Guiness para post de blog mais tempo em preparação) e sei que se vier agora com essa conversa corro o sério risco de ser vilipendiado à bruta por todos os que de boa fé iniciarem a leitura deste texto. Por outro lado não há nada que eu possa realmente trazer de novo ao conhecimento em análise económica e financeira dos leitores do blog, já que durante estes últimos dois anos e tal o conhecimento da generalidade dos portugueses em matérias económicas aumentou exponencialmente. Aliás, um exemplo perfeito disso é o caso recente dos swaps: ainda as primeiras notícias não tinham mais que um par de dias, os jornalistas tentavam descobrir como se escrevia aquilo, se era um acrónimo, etc. e já toda a gente tinha percebido perfeitamente o que se passava (que obviamente lhes tinham ido mais uma vez ao bolso) e já exigiam que rolassem cabeças. Assim sim. Assim dá gosto! Chega de aproveitamentos demagógicos da ignorância da população! Agora todos podem discutir em pé de igualdade. Ainda me lembro há uns anos (é melhor não me tentar lembrar exactamente quantos), numa aula de actividade bancária, estarmos a fazer um exercício sobre swaps, e deparando com resultados contraditórios o professor ter nervosamente despachado "tentem resolver em casa e na próxima aula corrigimos". Que evolução! Quem te viu e quem te vê, Portugal. Acho que se continuarmos assim, o país vai passar a liderar o nicho de turismo de economia (não confundir com turismo económico em que também damos cartas). Por exemplo: na Índia está tudo na miséria mas qualquer um é mestre em matérias de espiritualidade. Até o papa se lá for, sai do avião, entra num táxi, e quando sai do táxi já está convertido a adorador de Brahma ou Vishnu ou Shiva. Em Portugal da mesma forma estará tudo na miséria mas todos serão génios em matérias económicas. Qualquer estrangeiro que entre no nosso país, mesmo com habilitações ao nível dos nossos actuais políticos, se tiver o hábito por exemplo de ir todos os dias almoçar a uma tasca, tem a possibilidade de sair como sério candidato para o próximo prémio Nobel da Economia!

Independentemente do que escrevi no parágrafo anterior, tenho que fazer uma ressalva e uma excepção. A ressalva é que esta série de posts não é sobre a crise que enfrentamos actualmente mas sobre a mãe de todas as crises: o país que todos amamos, com este amor rabugento mas inabalável, tipo casal de velhotes. A excepção é que vou ter que incluir uma parte já escrita há mais de dois anos e entretanto perdida e reescrita para que se perceba a escolha do título dos posts, senão ficaria algo enigmático:

Para fazer o diagnóstico do país, posso começar por dizer metaforicamente que ele está quase totalmente imerso em areias movediças. Eu garanto que não queria começar isto logo com uma imagem catastrofista mas para já o mais importante é ser facilmente visualizável e "impressiva" (usando um inglesismo da moda para verem que apesar do estilo de escrita torpe tenho as qualidades necessárias para enviar textos para a imprensa portuguesa) e não me consegui lembrar de exemplo melhor.

Continuando: Portugal (podem imaginar um Zé Povinho) está portanto parcialmente imerso em areias movediças, mas olhando à sua volta verifica que todos os outros países também o estão - uns mais, outros menos, uns pelos tornozelos, outros completamente mergulhados, mas não há ninguém que esteja fora. Alguns podiam se quisessem mas não querem, talvez por causa das propriedades dermatológicas das areias. Estes são os países emergentes, ou como se diz agora: "os que têm dinheiro para nos ajudar". Outros países, com graus variáveis de imersão, mesmo querendo não conseguiriam sair das areias e por regra estão a afundar lentamente. Este grupo, no qual está Portugal, é o dos países imergentes, ou como gostamos mais de dizer: "desenvolvidos". Os países que estão totalmente imersos são os países que se designavam por "subdesenvolvidos" mas a que agora de uma forma mais politicamente correcta, mas infelizmente menos exacta, apelidamos com um sorriso solidário nos lábios de "em vias de desenvolvimento".

Voltando a Portugal, constatamos que, além de estar literalmente com a barba de molho, com o transtorno evidente de assim não conseguir fazer manguitos visíveis, esse estado de imersão agrava-se continuamente, ou seja está a afundar-se cada vez mais. Constatamos ainda que além de estar quase totalmente imerso e de estar continuamente a imergir, a velocidade dessa imersão é crescente porque Portugal se mexe freneticamente, questionando-se os outros países se será assim afinal que se dança o fado ou se se trata do efeito do consumo excessivo do bom vinho português.

E agora começo a ouvir exclamações: "Mas este gajo disse que ia ser mais claro e directo e sai-se com isto?!" Calma. Agora que a visualização criada já tem a "resiliência" (pimba! Já estou a chegar ao nível de um colunista de jornal económico) necessária para servir de âncora aos próximos posts, passo a explicar: as areias movediças são a dívida do país, o afundamento é o deficit (da balança de pagamentos, não o do orçamento de estado) e o aceleramento desse afundamento é o nosso comportamento, atitude, decisões, governação, etc. Portanto a conclusão em versão curta é que a dívida não é por si só um problema: a informação fundamental para os credores não é a quantidade de dívida mas a capacidade de a ir pagando, quer o assunto sejam as dívidas do país ou o nosso crédito à habitação; essa capacidade de ir pagando é dada pelo deficit: se há deficit quer dizer que perdemos dinheiro e se perdemos dinheiro não podemos pagar dívida nenhuma. Pelo contrário, temos até que criar novas dívidas; haver ou não haver deficit é decidido por uma quantidade enorme de factores a que vou chamar comportamento. Talvez mais correcto seja dizer que é a combinação do comportamento actual e os efeitos actuais de comportamentos passados. Continua a ser uma grande simplificação mas o importante é dar o ênfase à responsabilização própria e não alheia (tal como se gastarmos mais dinheiro que o valor do nosso salário, podemos culpar meio mundo a começar sempre pelo Estado, que a verdadeira responsabilidade nunca deixa de ser nossa).

Este diagnóstico segue uma dinâmica parecida com um episódio do dr. House: está dr. House a mandar bocas foleiras a uma série de pessoas entre pacientes e equipa médica, quando dá entrada no hospital uma senhora, de seu nome Vanda Lisa Rego de Portugal, queixando-se de alguns sintomas que o nosso maior ídolo das séries reais-porque-mostram-coisas-nojentas considera banais. É enviada prontamente para casa com uma recomendação para descansar e uma série de observações mais ou menos desagradáveis sobre a sua forma de vestir, a sua vida amorosa, etc. A paciente segue as instruções, mas enquanto está a preparar o jantar desmaia subitamente e é levada de urgência novamente para o hospital. Depois de alguns testes, de umas conversas novamente não muito edificantes e de ficarmos a conhecer um drama pessoal de alguém da equipa médica, conclui-se que afinal a doente padece de um problema grave mas que é explicado por uma epidemia causada por uma bactéria particularmente agressiva mas cujo tratamento já foi determinado pelas autoridades médicas internacionais e que passa por tomar um certo antibiótico durante aproximadamente dois anos. A equipa inicia prontamente a administração do fármaco e tudo corre bem até que, em vésperas de ser dada alta, e exactamente durante uma conversa íntima, que até está relacionada com o tal drama pessoal da pessoa da equipa médica, a paciente tem uma série de espasmos e entra em paragem cardio-respiratória! Dr. House percebe finalmente que está aqui um desafio à sua altura e dedica-se ao caso da sra Rego de Portugal a fundo pelo que, depois de se embebedar e ofender umas quantas personagens do sexo oposto, conclui finalmente tratar-se de um problema genético raríssimo, que ameaça transformar o cérebro da doente em papas de sarrabulho se nada for feito na próxima hora. Feita essa descoberta e depois de enviar um rápido SMS ao seu amigo Hannibal Lecter a informar que hoje talvez leve jantar, ordena à sua equipa que se ponha imediatamente em campo para localizar um dador de um certo líquido constituinte do plasma sanguíneo designado nos meios científicos por liquido $, recordando-os que só alguém que tenha abundância desse líquido no seu plasma pode ser dador. Felizmente a extracção de pequenas quantidades não põe em perigo a saúde de quem cumpre esse nobre gesto, causando apenas, entre outros efeitos secundários, um desarranjo geral, mudança de humores, maus fígados e dor de cotovelo. Localizados alguns dadores e feita a primeira transfusão de líquido $ exactamente quando o cronómetro para as papas chegou a 0, o estado de saúde da paciente estabiliza por fim, para gáudio de todos que abrem prontamente uma garrafa de bom champanhe americano, enquanto dr. House a um canto manuseia nervosamente o telemóvel, por qualquer razão que não quis explicar. No final do episódio surgem médico e paciente, já recuperada dos seus sentidos, a discutir as alternativas de tratamento futuro: como já foi referido o problema é raro, e por isso não há certezas, mas dr. House acredita que se poderá reiniciar a produção de líquido $ no organismo, se a sra Portugal passar a cumprir um regime ascético de pão e água q.b. e muita oração a nossa senhora de Fátima, por tempo indefinido. Por outro lado existe sempre a hipótese de nada fazer, fingindo ou não que algo está a ser feito, e continuar a depender de transfusões regulares de líquido $, assumindo que pode contar eternamente com a boa vontade dos dadores, já que não existe um sistema organizado de recolha para este, como existe para outros fluidos internos. Curiosamente, o episódio termina antes de conhecermos a decisão, como que por generosidade nos dessem a hipótese de escolher o nosso próprio fim: pão, água e fé na virgem, ou transfusões e fé nos dadores, que opção será melhor para Vanda Lisa R. Portugal?

Como foi dito, o problema da senhora Vanda Lisa é genético, e como tal tem afectado membros da sua família de poucas em poucas gerações, pelo que durante a história do nosso país existem diversos episódios em que há um Portugal a decidir se há-de explorar-se a si próprio ou a outrem. Por exemplo, ainda recentemente, houve um Portugal a viver a pão, água e oração, segundo os conselhos de um dr. Salazar que, de tão competente conseguiu convencer o seu paciente, não só a seguir esse regime, mas também a acreditar piamente que essa era a forma mais correcta de se viver, independentemente do estado de saúde. Para isso utilizou métodos diversos, de forma imaginativa. Para demonstrar a sua eficácia basta ver que ainda hoje, descendentes do Portugal da época continuam influenciados por uma série desses métodos. Continuam por exemplo a cantar alegremente: "No conforto pobrezinho do meu lar, / há fartura de carinho. / e a cortina da janela é o luar, / mais o sol que bate nela... / Basta pouco, poucochinho p'ra alegrar / uma existência singela... / É só amor, pão e vinho / e um caldo verde, verdinho / a fumegar na tigela.", e a acreditar que "pobrezinho" e "singela" são adjectivos positivos, enquanto que por exemplo "ambicioso", como todos sabemos, é negativo.Talvez seja um médico destes que a actual Portugal precise para aceitar pacificamente a vida ascética, mas não desesperem porque se se continuar a adiar uma decisão para resolver o problema, é cada vez mais provável que um se apresente.

Antes desse recente membro da família, existiram outros Portugais que, aproveitando os muitos recursos que na altura detinham, ao contrário da pobrezinha sra Vanda Lisa que tem que depender da boa vontade de outros, arrebanhavam dadores convencidos rapidamente a voluntariarem-se. Fizeram-no em África, no Brasil, na Ásia, e graças a isso puderam continuar a levar uma existência pouco singela. Outro houve que achou que conseguia arranjar voluntários em Marrocos e acabou a ameaça das papas de sarrabulho por se cumprir. E tão boas deviam estar que nunca mais o devolveram.

Mas afinal o que está na origem deste problema genético? E será que a família Portugal está eternamente condenada a ter que optar entre duas opções tão extremadas: ser asceta ou viver à conta?

(continua)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Imergir ou emergir: eis a questão - Introdução

Pá eu acho que devo uma resposta a toda gente, toda a multidão de pessoas que sabem quem na realidade se esconde atrás da máscara do Achador e que ao me ouvirem responder: "Não, o blog não está fechado! Tenho é passado o último ano a fazer pesquisa para o próximo post.", e quando finalmente percebem que eu não estou a gozar, exclamam invariavelmente: "Porra! Tu não existes!". A esta reacção e à dúvida malévola e subrepticiamente criada sobre a minha existência, eu declaro: Acho, logo existo! Estou a pensar se hei-de pôr isto por baixo do título do blog como forma de prevenir que continuem para aí a sugerir que eu não existo.

(Cliquem no canto esquerdo antes do nome para tocar a música sem abrir o link) Esclarecendo esse ponto inicial, tenho contudo que reconhecer que, para quem se propõe apenas a achar, 1 ano de pesquisa não faz muito sentido. Até parece que me estou a propor a pensar, a informar, a emitir uma opinião bem fundamentada em factos concretos. Livra! Nada temam caros leitores! Nada mais longe da realidade. Sucede apenas que ao tomar conhecimento há um ano de que nos tempos actuais, com apenas 4 cadeiras se faz uma licenciatura, com uma licenciatura desse género se chega a Administrador de grupos económicos, com apenas meses dessa actividade ou outra qualquer se tem uma rica e extensa carreira profissional, digna de ser usada como arma eleitoral e que após essas ou outras eleições se podem já escrever livros de memórias enquanto se usufrui de uma boa reforma, temi seriamente acordar um dia para descobrir um texto meu deste blog publicado numa revista científica, por ter sido escrito às três pancadas. Resolvi então demarcar-me, pesquisando longamente para poder dizer que estou apenas a achar, não é para ser levado realmente a sério.

O objectivo deste post é ambicioso: arrumar com Portugal. Alguns dirão "Demoraste muito tempo pá. Já houve quem entretanto tratasse disso.", forçando-me a clarificar: o meu objectivo é arrumar com a série de posts seguidos que tenho escrito sobre Portugal. A minha vida não é só o blog e o blog não é só Portugal, por isso convém que este seja o último post sobre este tema durante os próximos tempos para não dar a ideia errada de que criei o blog propositadamente para mandar bitaites para lá/aí, como que para fazer pirraça, agora que me pus a salvo dos efeitos da sua inépcia generalizada.

A série de posts sobre Portugal tem sido motivada pelo estado actual do país, a viver mais uma inevitável crise e por outro lado mais receptivo a discutir-se a si próprio. Para conseguir concretizar o objectivo deste ser o último post, e como tento sempre ser alguém construtivo, tenho que de alguma forma contribuir para a compreensão de porque é que desde que a memória alcança estas crises se sucedem, porque é que o país persiste em desenvolver-se menos que os seus vizinhos, e se possível, de que forma é que isto pode ser solucionado. Seria aquele achado utópico que nos permitiria finalmente encontrar o caminho para fora do nevoeiro onde gerações de D.Sebastiões imaginários nos perderam.

Com este fim em mente, arregacei as mangas e comecei inofensivamente por analisar dados económicos. Da Pordata passei para o Banco de Portugal e o INE e daí para o Eurostat e a OCDE. Tentando perceber a realidade por trás dos números, li todo o tipo de documentos, e aproveito já agora para elogiar as publicações da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que apesar de só serem encontradas nas lojas da Jerónimo Martins, quando não estão com uma promoção de 50%, chegaram até mim graças à boa vontade da minha mãe e ao serviço de transporte Euro-o-quilo do Sr. Brocardo. Um muito obrigado e um grande bem haja a ambos!

Achando que já compreendia mais ou menos a situação actual, decidi começar a retroceder no tempo para tentar perceber a evolução e descobrir quando é que em Portugal tinham existido mudanças significativas. Eventualmente percebi que isto é practicamente um oxímoro já que Portugal e mudanças significativas são conceitos quase contraditórios. Textos de há um e dois séculos atrás parecem ter sido escritos agora (mesmo o português estranho da época seria facilmente justificado dizendo que o autor adoptou o acordo ortográfico) daí que alguns sejam novamente citados nos tempos que correm.

Essa conclusão fácil não me ajudou minimamente no meu objectivo, por isso continuei a recuar até os documentos disponíveis de cada época começarem a escassear. Recomendo a biblioteca nacional digital: http://purl.pt/index/geral/PT/index.html para quem não tem nada de verdadeiramente interessante que fazer com o seu tempo, como é aparentemente o caso deste vosso amigo.

Terminado todo este processo de justificação de achamento, posso dizer que ao contrário dos outros posts, desta vez vou tentar ser mais claro e directo e gostava de focar-me naquilo que nós, a generalidade do povo português, pode fazer, porque a mensagem monopolista (por culpa de todos) é o que o Governo, os políticos, os banqueiros, etc. podem fazer, enquanto que para os outros "99%" a única coisa que sobra é a sensação de verdadeira ou aparente impotência e as duas "armas" do voto e da contestação, de eficácia reduzida a nula.

PS1: Depois de escrever cerca de metade do texto admito que aquilo que ia ser um filme teve que ser transformado numa série de episódios porque de outra forma não seria realista, mesmo para mim, esperar que alguém, sem ser pago para isso, conseguisse ler tudo.

Depois desta introdução, comecemos pelo diagnóstico actual...

PS2: Pá eu acho que sou uma indescritível besta! Não é que ao fazer algo tão banal para qualquer blogger que se preze, ou vá admitamos para qualquer pessoa que esteja a viver no século XXI, como dividir um post em várias partes, consegui a incrível proeza de apagar tudo menos a primeira parte? Cada vez que me lembro da quantidade de referências, links, etc. perdidos desato à cabeçada às paredes. Devo anunciar a todos que daqui para a frente serei uma pessoa um pouco diferente devido à quantidade de neurónios destruídos no processo.

PS3: Apesar de querer reconstruir o post, a verdade é que ainda não voltei a escrever mais nada e à medida que o tempo passa, a tentação de simplesmente deixar isto cair se torna maior. Decidi não deixar a frustração e a passividade ganharem, talvez por simples teimosia ou talvez porque acho que ainda tenho bastante para partilhar, e então publico agora esta primeira parte para me forçar a dar-lhe sequência em breve. Não será algo tão fundamentado como o original e demorará algum tempo para ser tudo (re)escrito mas a mensagem será a mesma e o mais importante neste momento é publicar.