quarta-feira, 1 de junho de 2011

Boa, 37 anos! Mas vá lá agora a sério, quando é que começa a Democracia?

Pá eu acho que Portugal atravessa agora um momento que será visto no futuro como de viragem. Não por causa das eleições - independentemente de quem ganhar manter-se-á a mesma lógica bipolar dos últimos 36 anos. Este momento é de viragem porque tornou-se evidente para todos a falência do sistema político nacional e por isso, nunca desde 1974 se pôs tudo em causa como agora, desde a seriedade da classe política aos próprios fundamentos do regime.

Momentos como este são raros e valiosos porque apresentam uma oportunidade de verdadeira mudança. É por isso essencial que todos tenhamos em primeiro lugar a perseverança e imparcialidade para fazer um diagnóstico correcto e completo e em segundo lugar a imaginação e coragem para desenvolvermos e nos submetermos ao tratamento adequado.

Depois de no último post ter tentado resumir alegoricamente os últimos 37 anos, estava a pensar continuar no diagnóstico, apresentando dados estatísticos sobre o mesmo período e a minha análise - tenho passado os últimos tempos a ir frequentemente ao site da Pordata e outros. Felizmente para os leitores do blog tal não será necessário porque durante essa pesquisa descobri algo espantoso: uma reportagem sobre o momento que o país atravessa feita por um canal de televisão português, que em vez de falar sobre consequências tenta identificar causas, em vez de ficar satisfeito com explicações superficiais tenta ir ao fundo das questões e em vez de entrevistar famílias vitimizadas entrevista os decisores das várias causas identificadas. Não sei se teve algum destaque na altura em que foi transmitida porque o programa mais informativo a que tenho acesso agora na RTP Internacional é o Preço Certo. Aqui vai o link: http://www.rtp.pt/multimediahtml/progVideo.php?tvprog=27138 Isto é mais importante que todos os debates, comícios, entrevistas, comentários, sondagens, etc. juntos por isso aconselho vivamente que vejam e revejam.

-//-

É fim da noite de Sábado algures na viragem da década de 80 para 90 e o meu amigo Marco está mais uma vez bêbedo. Estamos no anfiteatro da Pousada da Juventude da Serra da Estrela, convertido momentaneamente em discoteca. A música revolucionária dos Technotronic foi substituída pelo burburinho das pessoas enquanto o espaço se ia esvaziando. Nós continuávamos lá no entanto a gozar o espectáculo que eram as tentativas do Marco em sair do anfiteatro: Ele andava ao longo da parede sempre para a direita e dava a volta toda até ir parar ao mesmo sítio. Depois andava para a esquerda e mais uma vez dava a volta toda. O problema dele é que estava tão bêbedo que via as escadas como outra parede e por isso para ele não estava num anfiteatro mas sim num fosso sem saída.

É óbvio que ao fim de algum tempo pegámos no Marco e ajudámo-lo a sair de lá. Já quanto ao País, há 37 anos que anda ora para a esquerda ora para a direita à procura de uma saída e continua sem a encontrar. A população entreteve-se a fazer peso para um lado e para o outro, mas à medida que o tempo passa tem achado cada vez menos piada ao jogo, tem-se encostado e ficado à espera que a coisa mude. Neste momento, depois de tudo o que aconteceu recentemente, parece óbvio para a maioria que agora é que tem mesmo que mudar qualquer coisa, mas todos os apelos são no sentido contrário: a Democracia é certamente o menos mau dos sistemas políticos, numa Democracia a arma do povo é o voto, vamos todos portanto votar e ajudar o País a encontrar o rumo. Esta lógica parece inatacável mas a sensação forte de que algo não está bem não se vai embora. Haverá uma escada algures, mas a bebedeira persiste.

Tal como o Marco, o País será eventualmente ajudado pelos seus "amigos". Portugal é basicamente um atrelado que, independentemente de programas de ajuda, de empréstimos, apertares de cinto, etc., só se vai pôr realmente a andar quando os outros se mexerem e o levarem atrás através das exportações, subsídios e impacto colectivo nos mercados. Nessa altura todos se vão esquecer rapidamente do que se está a passar agora, vão-se vangloriar pelas medidas de recuperação bem sucedidas, voltam a haver aumentos, obras públicas, emprego e optimismo. Até à próxima crise claro! Se olharmos para trás, o 25 de Abril e subsequentes auxílios do FMI aconteceram durante a crise internacional do Petróleo nos anos 70, o Estado Novo foi criado durante a grande depressão de 1929 e início dos anos 30, etc. Parece então que já há algum tempo que a nossa vida é andar recostados no nosso atreladozito e só quando param de puxar é que acordamos e protestamos: "Então pá! Isto não anda porquê?!".

Quer isto então dizer que é natural sentirmos que temos que mudar qualquer coisa mas que na realidade a importância dessa mudança não é grande? Eu acho o contrário: isto quer dizer que no meio de tantas aparentes mudanças (Liberalismo, República, Ditadura, Democracia) há algo mais profundo que nunca mudou. Arranjar um motor por exemplo!

Desde há 37 anos Portugal é um país com uma população quase totalmente de classe média homogénea em que metade dela aceita acreditar (ou finge acreditar para não se chatear) que pertence a uma classe trabalhadora explorada pelos capitalistas sem escrúpulos e a outra metade aceita acreditar que é proactivo e empreendedor mas que não consegue fazer nada por causa do peso da outra metade, composta por funcionários públicos e subsídio-dependentes. Antes do 25 de Abril a população tinha o Fado, Futebol e Fátima para se entreter, agora tem o Futebol e a Política. Eu nunca concordei na generalidade com nenhum dos partidos e por isso antes de cada eleição sou invariavelmente chutado para o maior grupo de pessoas com uma placa na testa a dizer "indeciso". Acho que há aqui um erro qualquer de comunicação persistente porque indeciso fico eu por exemplo quando vou a um restaurante e tenho dezenas de pratos à escolha, cada um melhor que o outro. Quando vou a um restaurante e só tenho 5 pratos à escolha, 2 deles que me recuso totalmente a comer, outro que desconfio que me vai dar uma crise intestinal e outros 2 que já comi tanto que nem posso ver à frente, confesso que "indeciso" não faz parte da série de palavras que me vêm à cabeça nesse momento. O mais certo é mudar de restaurante que foi aliás o que fiz!

Mas a bipolarização partidária funciona muito bem há centenas de anos em alguns países, por que não em Portugal? Nesses países é normal partidos manterem-se no governo durante 2 e 3 mandatos seguidos e alguns até se mantêm décadas. Quando se vota noutro partido é porque aconteceu algo grave. Em Portugal, desde o 25 de Abril só por 3 vezes um partido foi reeleito para um segundo mandato e só 4 governos conseguiram acabar os 4 anos da legislatura. Noutros países é normal existirem governos de coligação ou de maioria relativa mas em Portugal ambos os casos são sempre instáveis: só uma maioria absoluta permite uma boa governação e só um voto nesse sentido é um "voto útil". Uma maioria absoluta permite o alinhamento entre os poderes legislativo e executivo enquanto que o poder judicial, parte da comunicação social, empresas públicas com monopólio dos principais serviços prestados no País, etc. são também alinhados pela nomeação política dos seus dirigentes. Em Portugal portanto a Democracia que funciona parece ser mais uma sequência de mini-ditaduras de 4 anos.

Eu vivo num desses países em que o que seria suposto funcionar em Portugal funciona mesmo e vejo que a diferença não é a capacidade ou competência dos membros do governo. A diferença é a atitude das pessoas. Por aqui quando alguém suja alguma coisa é a pessoa que está mais perto que vem logo exigir que se limpe, quando um funcionário não desempenha bem o seu serviço todas as pessoas reclamam imediatamente, quando alguém excede o limite de velocidade, estaciona onde não deve, etc. quem vê telefona logo à polícia, etc. Quando o governo está a pensar mudar qualquer coisa existem manifestações contra e a favor. Por exemplo quando se estuda a possibilidade de pôr portagens numa autoestrada manifestam-se os que não as querem pagar mas também aqueles que não aceitam que sejam todos os contribuintes a pagar pela estrada. Em Portugal pelo contrário como cada um só vê o seu interesse imediato compete ao Estado fiscalizar tudo e como só se manifesta quem é directamente afectado por cada medida, a vida política é sempre alguém contra o governo. Esta semana é o governo contra os professores, depois o governo contra os polícias, depois contra os utentes das SCUT, depois contra os transportadores, etc. O resto dos contribuintes mantém-se perfeitamente ausente de cada discussão apesar de estar em causa aquilo que vão ter que pagar com os seus impostos. O governo pelo contrário vai acumulando desgaste e mais desgaste em todas as discussões e por isso é que só quando tem a robustez de uma ditadura temporária aguenta. Ou então deixa de governar, que é aquilo que normalmente acontece nos anos que precedem eleições como 2009 - o ano do descalabro. Eu não quero com isto dizer que quem está no governo não tem culpa, mas a diferença para os governantes de outros países não é serem menos preparados ou honestos mas sim que não estão submetidos a uma fiscalização activa pela população.

Esta argumentação justificaria agora o discurso típico do: o mal de Portugal são os portugueses, com esta gente não se faz nada, enquanto não se mudar o comportamento da população isto não vai a lado nenhum, etc. e a carga de complexo de inferioridade e de salve-se quem puder que se segue. A isto eu chamo criar uma parede onde ela não existe, porque a única coisa que não podemos mudar é exactamente a nossa cultura. As nossas características não são melhores nem piores que as dos outros (ver o post "Em Portugal...ou não!"). O que se verifica é que têm obviamente um pior desempenho num sistema de governação que foi desenvolvido para outra cultura e depois copiado por nós. Em Portugal por exemplo, todas as nossas constituições desde 1822 foram copiadas de outros países, com uma ou outra alteração. Se temos características diferentes e ainda por cima temos mais imaginação, aquilo que temos que fazer é desenvolver o nosso próprio modelo de governação e desenvolvimento. Não se transforma a parede numa saída ampla e fácil. São escadas e têm que ser subidas. Mas pelo menos é uma saída.

Mas o que implicará desenvolver um modelo de acordo com a nossa cultura? Será que pelo nosso alheamento e desinteresse pela comunidade não conseguimos viver em Democracia? Antes pelo contrário! Isto quer dizer que, ao contrário da maioria dos outros povos, nós precisamos tanto de Democracia que só quando finalmente existir uma, o País vai mostrar o seu verdadeiro potencial e deixar de ser um reboque!

Deixo o resto para um próximo post. Comecei a escrever isto no 25 de Abril e daqui a pouco só publicava depois das eleições...

1 comentário:

Xana disse...

Hummm... costumo concordar com as tuas posições e partilhar a s tuas opiniões, mas confesso que com esta fiquei com a pulga atrás da orelha... ou não percebi bem a coisa, ou então tens mesmo que acelerar o próximo post.