Pá eu acho que já é um bocado cansativa...não, não é cansativa.
Chata. Não...tremendamente desconcertante. No sentido de me fazer
arreganhar os dentes e urrar de tanto desconcerto. Ter desarranjos
intestinais psicossomáticos causados pela raiva acumulada. Pronto,
digamos que não ando bem, e não tem nada a ver com a selecção. Ok,
se calhar tem um bocadinho. Mas não ando bem sobretudo com esta moda
actual de se ser pai ou mãe como por exemplo o Miguel Veloso é
jogador da selecção: "uau, é tão bom estar aqui, é a melhor
experiência da minha vida e tal". Mas na realidade estão
visivelmente em gestão de esforço, a pensar nas caipirinhas que
estariam a beber numa vida alternativa. O pior, é que ao contrário
do Miguel Veloso - talvez isso aconteça no próximo mundial, se a
tendência de queda livre se mantiver - é que a um pai ou uma mãe, é
aparentemente de bom tom vir a público declarar essa sua
insatisfação. É visto como uma prova de honestidade e coragem, ao
nível de alguém que declara por exemplo a sua homossexualidade: "Ser
pai é uma merda, ainda não percebi como é que me meti nisto. Com a
frustração sou um pai de merda e tudo isto é uma merda. Mas atenção,
os meus filhos são espectaculares!" "Bravo! Batam palmas! Obrigado
por partilhar a sua experiência! Próximo!" "Olá a todos. Ser mãe é
uma merda, o meu marido não faz um car.........., só quer ver bola,
e com a exaustão sou uma mãe de merda. É óbvio no entanto que pelos
meus filhos faço todos os sacrifícios de bom grado e eles merecem
porque são a melhor coisa do mundo!" "Bravo! Próximo!"...
Eu quando vejo este tipo de coming out versão fralda e perdolan,
avidamente difundida pela generalidade da comunicação social
escrita, já para não falar dos blogs dos próprios, tento, já com os
calores a subirem-me, encontrar algum sinal de lucidez nos
comentários ao texto, mas sempre em vão. Aparentemente entre quem se
manifesta há três filosofias quanto à paternidade: ter filhos é uma
merda e por isso não tenho nenhum e aproveito a vidinha; ter filhos
é uma merda mas como já tenho, agora é aguentar; ter filhos é uma
merda mas é profundamente egoísta sobrepor os meus desejos pessoais
ao dever moral de ter filhos. Imagino que isto está mais ou menos
por ordem de modernidade de quem dá as opiniões. É óbvio que depois
de ler algumas pérolas destas tento invariavelmente escrever o meu
próprio comentário, interrompendo de vez em quando para soltar mais
alguns urros de desconcerto, e acabo por ser informado um pouco mais
tarde que o meu comentário foi rejeitado por uso de linguagem
imprópria. Acho isto tremendamente injusto porque, mesmo a meio de
um ataque de raiva espasmódica pauto sempre por uma linguagem cortês
e refinada. Não sei por exemplo o que é que informar uma senhora,
que aparentemente ganhou numa rifa o direito de escrever crónicas
semanais sobre maternidade num jornal online, que aquilo a que chama
marido é na realidade um Neanderthal fertilizador tem de impróprio.
Eu gostaria que me avisassem se tivesse um Neanderthal em casa!
Sobretudo fertilizador. Não tenho sabonetes na banheira, mas com
estas coisas todo o cuidado é pouco! Não compreendo a reacção.
Ponho-me a pensar: antes as pessoas não eram assim. Tudo bem que
nunca houve um momento em que se erguessem recém-nascidos aos céus
com a música do Rei Leão em fundo a agradecer a bênção dos deuses,
como se vivêssemos numa pandemia de infertilidade. Mas afirmar que
ter filhos é um sacrifício e declarar resignadamente a sua
incompetência como progenitor, com a mesma ligeireza como a Carrie
Bradshaw admitia que usava o forno para guardar sapatos, ser
aclamado como a maior verdade posta a nu nos nossos tempos, como um
grande tabu agora destruído, é estranho e preocupante na minha
opinião. Será que, tal como antes ficava bem a uma mulher que queria
ser moderna declarar que não sabia cozinhar, agora fica bem dizer-se
que não se sabe e/ou não gosta de ser mãe/pai? Será que nestes
tempos de stress e globalização vivemos num mundo de egoístas?
Há uns dias um amigo meu estava a defender pela enésima vez a sua
tese de que não faz sentido, não é honesto e no limite até é
hipócrita, designar um determinado comportamento como egoísta ou
como não egoísta. Diz ele que não há um único comportamento humano,
um único gesto voluntário ou involuntário, que não seja para
interesse próprio. Estar por isso a criar uma separação artificial
entre eles de egoísmo ou generosidade não faz o mínimo sentido e só
serve para enganar os outros e a nós próprios. Eu admito que
concordo com esta ideia e alargo até o seu âmbito a todos os seres
vivos. Talvez já tenha existido alguma célula anjo-da-guarda que não
agia continuamente para o seu interesse próprio, mas o processo de
selecção das espécies tratou rapidamente de a remover como defeito
de produção.
Então se todos os pais sempre agiram por interesse próprio, porque é
que os actuais parecem tão mais desiludidos com a experiência
parental? Aqui tenho que me socorrer da minha própria experiência:
tenho 3 filhos com 1, 2 e 3 anos, nem eu nem a minha mulher sabemos
o que são noites mal dormidas, a não ser excepcionalmente por causa
de alguma doença, não sabemos o que é apanhar uma seca a embalar ou
dar comida, não conhecemos o ritual do "vai tu" "não, vai tu",
trabalhamos os dois a full-time, a minha mulher acabou de tirar um
mestrado e eu vou iniciar agora uma segunda licenciatura, etc. Peço
desculpa, o meu objectivo não é armar-me em mete-nojo mas estou só a
clarificar o contexto para a minha opinião neste assunto. Admito no
entanto que há um catch. "Ahh, bem me parecia. Têm uma ama a tomar
conta das crianças." Não, nunca tivemos ama a não ser num punhado de
vezes para ir a concertos ou algo do género e cada uma delas foi
para a creche com 9 meses. "Ok, então têm alguém da família a
ajudar?" Não, mudámos de país há alguns anos e não temos família
nenhuma cá. " Então qual é o catch afinal?" O catch é que, entre o
momento em que decidimos ter filhos e a primeira gravidez, tivemos
oito anos de preparação em que praticamente tudo foi mudado em
função desse objectivo, incluindo, como já referido, o país de
residência. Quando finalmente começámos a ter filhos estava já tudo
tão preparado que tem sido um autêntico passeio.
Não consigo perceber as pessoas que tomam as decisões mais
importantes das suas vidas de ânimo leve. Sou muitas vezes acusado
de ser demasiado planeado e rígido mas não podia discordar mais: sou
a única pessoa que conheço sem qualquer tipo de hábitos. Mesmo um
hábito tão elementar como almoçar todos os dias me escapa se estiver
ocupado com qualquer coisa e ninguém me chamar a atenção. Nem
preciso dizer que não consigo criar o hábito de escrever no blog...
Adoro conduzir por um caminho que não sei onde vai dar, comer algo
no restaurante que nem percebi a descrição, conversar com um colega
de outro país que não conheço, explorar culturas diferentes, etc. Na
minha casa às vezes não há comida, outras vezes não há roupa lavada
ou passada a ferro, os meus sapatos ficam verdes antes de me lembrar
de os engraxar, nunca me lembro de tratar dos impostos a tempo e
recebo avisos todos os anos. Definitivamente rígida é que a minha
vida não é, a não ser que seja rigidamente aleatória. No entanto
quando me deparo com uma decisão de ter filhos, de comprar uma casa
nova, de mudar de emprego, etc. é algo que me faz sentir um peso de
responsabilidade que me exige muita ponderação antes de fazer seja o
que for. Às vezes parece-me que há pais que perdem mais tempo a
escolher os convites para o baby-shower ou a cor para as paredes do
quarto do bebé do que o que perderam (ou ganharam, talvez mais
correctamente) a decidir ter um filho. "Fui um granda maluco e
comprei uma casa por impulso. É mesmo a casa dos meus sonhos! --//--
Este fim-de-semana vou tentar arranjar os canos da casa de banho que
rebentaram. Se calhar tem alguma coisa a ver com a infiltração na
parede do quarto...comprar casa é uma merda!" "Só o conheci ontem
mas já sei que é o homem da minha vida! Vamos viver juntos já a
partir de amanhã! ---//--- Aquela besta não levanta o cu do sofá,
cheira mal e tem o hábito estúpido de arrotar as respostas do Quem
quer ser milionário! Os homens são mesmo uma merda!" "Nem percebi
muito bem como, de repente nasceu o puto, e a minha vida pessoal foi
pró caraças! Ser pai é uma merda!"
Ser pai não é bom porque (ou só porque) estou a assegurar a minha
imortalidade genética, ou porque estou a dar o meu contributo para
salvar demograficamente a população portuguesa, ou porque é
moralmente e socialmente bem visto, ou porque a minha relação com a
minha mulher sai beneficiada e enriquecida, ou porque fico com um
plano B caso a Segurança Social dê mesmo o berro, ou porque mulheres
de todas as idades olham para mim quando passo enquanto sorriem e
fazem "Oooohh!", ou porque me rio mais com os meus filhos do que
quando vejo um episódio do Seinfeld e fico com cãibras nas bochechas
de ficar horas seguidas a sorrir, ou porque tenho o privilégio de
observar a formação de três seres humanos desde as etapas mais
elementares, ou por isto ou por aquilo. Ser pai é bom porque eu
próprio, ignorando tudo o resto, de uma forma egoísta, ganho imenso
em ser pai. Sou uma pessoa melhor, mais completa, mais realizada em
ser pai. Se me apetece às vezes largar tudo e ir simplesmente para
uma esplanada beber uma cerveja? Claro. Mas será que me apetece
fazer disso um hábito? Por exemplo quando era miúdo, às vezes estava
frustrado e apetecia-me simplesmente espernear no chão e atirar tudo
pelo ar como se ainda fosse bebé. Mas o que é que tinha realmente a
ganhar com isso? Deixamos de o fazer não porque recebemos uma
lavagem cerebral da sociedade como alguns fazem crer mas sim porque
compreendemos que é uma manifestação vazia de significado e apenas
nos permite uma libertação catártica que pode ser alcançada noutra
actividade qualquer. Da mesma forma, às vezes sinto-me stressado,
apetece-me fazer algo sozinho ou com amigos e por vezes faço-o mesmo
porque tenho essa possibilidade. No entanto preencher a minha vida
com momentos desses parece-me incrivelmente vazio de relevância e de
interesse. A paternidade está a ser mais um patamar da minha
evolução como pessoa e, em vez de pensar nostalgicamente sobre o
anterior, aguardo ansiosamente pelo próximo, o que quer que ele venha a
ser.
Os pais dos nossos pais, aqueles pais que só olhavam para os filhos
para dar ordens ou porrada, tinham a desculpa de não existir
televisão nem contraceptivos. Tinham a desculpa de não terem tido
educação nenhuma e o pensamento obscurecido por tradição e religião.
Tinham a desculpa de todos naquela época verem os filhos como braços
adicionais de trabalho. Que desculpa têm os pais e mães bem formados
e informados de agora para se declararem alegremente uns totais
incapazes em parentalidade? É moda? É corajoso e honesto declarar
que ser pai é um sacrifício e uma perda pessoal?! Hilariante!
$#%#/$%"# para vocês todos! Coragem é trabalhar a sério e aceitar
toda a responsabilidade de tomar conta de novos seres humanos, tão
importantes como nós próprios, durante a fase mais frágil das suas
vidas. Honestidade é assumir sem rodeios que não estamos preparados
ou ainda não estamos preparados para o fazer. Ter filhos e depois
queixar-se das consequências revela falta de ambas as coisas.
Pelo mar de opiniões da treta veiculadas e de crianças mal criadas,
com distúrbios alimentares, de sono, de atenção, sem resistência à
frustração, com hiperactividade, obesidade, etc. decreto uma chuva
de napalm sobre os pais (ir)responsáveis e peço desculpa aos órfãos.
Liguem à Angelina Jolie que acho que ela ainda não adoptou ninguém
este ano.