sexta-feira, 24 de setembro de 2010

"Porquê?"

Pá eu acho que primeiro que tudo devo explicar-me. Eu sei que ainda não escrevi nada mas já consigo ver uma névoa escura rodopiante sobre a minha cabeça em que vão surgindo as caras das gerações futuras de leitores deste blog com uma expressão magoada e uma pergunta incessante nos lábios: "Porquê?"

Mesmo enquanto escrevo este primeiro post tenho-me levantado quase de minuto a minuto com um desagrado crescente que já começa a roçar o mau humor talvez porque adivinho já as experiências traumáticas que proporcionarei tanto a quem as procura para satisfazer o seu lado sádico (qual condutor na auto-estrada que nunca dá o braço a torcer ao ver ambulâncias, idosos, carros de instrução, sinais "bebé a bordo" ou até ouriços cacheiros suicidas mas que logo abranda quando vislumbra esperançado algo que parece prometer metais retorcidos e entranhas espalhadas pelo asfalto) como também infelizmente àqueles que saltitam ingenuamente pelos verdes campos da blogosfera sem saber dos terrores escondidos que os esperam.

Por outro lado talvez eu seja uma pessoa insensível à qual nada disso importe e a verdadeira razão para me tornar a levantar desagradado seja para tentar perceber por que diabo é que depois de comer e arrotar como gente grande, a minha nova patroa ainda continue a fazer barulho. Não sei bem qual das duas razões será porque a esta hora as coisas começam a ficar menos claras mas uma delas há-de ser de certeza.

O que é que tenho então a apresentar em minha defesa? Permitam que vos conte uma história...uma longa história...a minha história: desde que me lembro de mim, lembro-me de livros. Sempre os vi como que uma janela para um universo paralelo, como a toca de coelho da Alice, em que poderia ficar imerso o tempo que quisesse porque quando voltasse tudo estaria na mesma e ninguém suspeitaria da aventura que tinha acabado de viver. Assim (saltando um bom pedaço incluindo a adolescência mas sem querer dar muito nas vistas), foi com deslumbramento que acompanhei o início do movimento blogger ao imaginar um mundo perfeito em que finalmente potenciais escritores de todo o mundo se soltassem das amarras de editores e conseguissem publicitar e distribuir a sua obra massificadamente a custo zero e todos nós leitores ávidos pudéssemos deambular livremente pelos textos de todos eles (sim, confesso que também já fui um saltitador ingénuo).

No início, enquanto o fenómeno da blogosfera permanecia relativamente desconhecido, os seus pioneiros foram de facto pessoas que: ou tinham algo de relevante para escrever ou o faziam de uma forma verdadeiramente inspirada ou (sorte das sortes!) reuniam as duas características. Nessa altura achei com optimismo que a coisa se estava a encaminhar para aquilo que tinha imaginado e obviamente que nunca me passaria pela cabeça iniciar o meu próprio blog já que não me incluía (nem incluo) em nenhuma das duas categorias.

À medida que os blogs se foram tornando mais visíveis e começaram a ser usados como forma alternativa de divulgação preferi ignorar a proliferação ou sequer a existência de blogs cujos autores achavam, vá-se lá saber porquê, que ideologia partidária também merece o rótulo "algo de relevante".

Infelizmente isso foi apenas o início da catástrofe que tornou a relevância irrelevante como critério para se escrever em blogs. Foram-se reduzindo também as expectativas relativamente à qualidade de escrita e deixaram de se exigir textos literários para se esperar pelo menos que não se cometessem demasiadas atrocidades contra a língua portuguesa.

Com a cada vez maior dificuldade em encontrar conteúdos interessantes e o contínuo aumento dos "q", "pq", "qq", "sff", "fds" e sobretudo muitos "k" (geração sms) ou então da "adição" "impressiva" de escrever como se tivessem a "massiva" inteligência de uma parede de "concreto", não permitindo uma leitura muito "efectiva" (intelectuais anglófilos) ou então ainda dos "há-dem", "fôsse-mos", "quisé-se", etc. (acólitos do Jorge Jesus), decidi que bastava, que esta relação já me estava a causar demasiado sofrimento e então iria separar-me da blogosfera, desprezando-a para sempre.

Ok, sendo honesto, admito que decidi uma de duas coisas: ou separar-me da blogosfera, desprezando-a para sempre ou convidar todos os seus membros para um jantar numa daquelas quintas para casamentos e a meio da refeição, quando já estivessem bebidos e a largar algumas pérolas de sabedoria (só para levar ao extremo o meu prazer sádico), regar tudo com napalm. Claro que depois de alguns telefonemas, os preços e tempos de espera para conseguir reservar uma quinta fizeram-me desistir da segunda hipótese, mesmo tendo já comprado o napalm num Wal-Mart.

Anos se passaram de alegre e sereno desprezo até que num belo dia sou surpreendido no meu próprio santíssimo quando a minha cara metade anuncia que vai criar um blog...e não só o cria como diariamente passa a comentar o seu conteúdo, o dos blogs preferidos e o dos blogs "acidente de auto-estrada". Foi então através deste novo hábito involuntário que fiquei a saber que a blogosfera se transformou durante a nossa separação em algo semelhante a um cabeleireiro de Cascais em hora de ponta ou aliás num salão de beleza ou o que quer que durante esta semana se esteja a chamar a esse tipo de antros de superficialidade.

Perante esta infeliz realidade e reconhecendo mais uma vez agastado que pelo menos metaforicamente o poço não tem mesmo fundo, concluí que desprezar para sempre não é suficiente para demonstrar o alcance do meu actual desprezo pela blogosfera e claramente o napalm também não seria eficaz em peles já tão habituadas a químicos corrosivos portanto decidi que era o momento de tomar uma medida drástica. Tentando imaginar o que poderia ser mais desprezante do que o desprezo eterno acabei por concluir, excitado e assustado com a ideia, que só o poderia conseguir criando o meu próprio blog.

Ok, se calhar na realidade o processo foi mais: bem, isto já está tão mau, tão mau que até eu já posso criar um blog sem me sentir constrangido...seja como for, agora aguentem-se à bronca!

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