sábado, 25 de setembro de 2010

"I can make my own people"

Pá eu acho que para lá da justificação dada no post anterior para iniciar este blog devo confessar que também existiram outras questões que pesaram na tomada desta decisão ou que pelo menos, uma vez ela tomada, impediram que eu a enfiasse logo de seguida na profunda gaveta imaginária a que chamo "Parvoíces do costume". Ok, admito que estou aqui a plagiar a minha mulher. Normalmente quando estou sozinho prefiro chamar-lhe carinhosamente "Ideias para o futuro".

De qualquer forma o que é que deu então esse contributo determinante para que me decidisse a expor publicamente algo ("algo" é vago o suficiente. Prefiro não me comprometer com "textos", "pensamentos", etc. para não criar falsas expectativas) escrito por mim? Recordo aos mais desatentos que estamos aqui a falar do miúdo que esteve 3 meses de castigo sem ver televisão nem sair à rua para jogar à bola por se recusar a escrever uma composição, ou redação como dizia o meu pai: "Faz a redação...Faz a redação!".

Também estamos a falar do adolescente que preferiu passar a evitar uma rapariga a ser confrontado com o facto de ainda não ter entregue aquele postal que estava prometido e daquele finalista que andou estranhamente desaparecido na altura de assinar as fitas, tendo conseguido só não se escapar a uma que demorou a tarde toda a escrever sob vigilância do interessado (é o problema de nos conhecerem demasiado bem...).

Perguntava então o que é que finalmente resolveu este omnipresente bloqueio e a resposta é aparentemente muito simples:  passei a ser pai. E evito utilizar aqui a forma mais comum "fui pai" deliberadamente já que não quero ser mal interpretado: não me refiro ao nascimento de um ser cujo ADN foi em 50% construído por material proveniente de cromossomas meus mas sim ao facto de desde esse momento eu ter passado a ser o responsável exclusivo por uma parte do seu tempo diário, incluindo tudo o que for necessário com a única e infeliz excepção de produzir leite. Nada que uma bomba de extração não resolva, claro.

O que é certo é que logo desde o início deste novo hábito, quando ainda estava a dormir na maternidade comecei a sentir algo de diferente, como que um silêncio, uma serenidade que não existia antes. Perspicaz, observei que no quarto da maternidade não havia televisão e que devia ser essa a razão, mas estranhamente a sensação mantinha-se durante todo o dia e em qualquer lugar. Por exemplo quando ia a lojas já não me preocupava em verificar se havia alguém a querer passar ou pegar em algo que eu estivesse a tapar e já não tinha problemas em ver e comparar produtos demoradamente sem ligar ao que outros pudessem pensar do meu gosto ou forretice.

Eu agora penso que o tal bloqueio era simplesmente uma grande relutância em ter que me comprometer com uma solução não totalmente satisfatória, algo que eu designo de "perfeccionismo" mas que também tem sido definido como "lentidão" no caso dos meus chefes e alguns colegas ou como "estupidez" no caso da minha família e amigos (a minha mãe que ainda vai tentando não me ofender diz "palermice"). Sempre fui uma pessoa mais de ciências que de humanidades e sempre lidei especialmente mal com a subjectividade. Como escrever algo é sempre um processo em que não há certos nem errados, enquanto me importei com o leitor foi sempre um sofrimento fazê-lo (já estão a ver onde é que eu quero chegar, espero).

Basicamente tudo isto é resumido numa citação da melhor importação que fizemos dos Estados Unidos nas últimas décadas, a série de culto Seinfeld: "Once a man has children, for the rest of his life, his attitude is, "To hell with the world, I can make my own people. I'll eat whatever I want. I'll wear whatever I want, and I'll create whoever I want."" o que traduzindo para aqueles que ainda não dominam o idioma universal quer dizer: "Pá, 'tou-me a cagar!".

O engraçado é que sempre achei imensa piada a esta frase, aliás é daquelas que eu e a minha mulher usamos recorrentemente em conversas entre nós (ok, só a parte no título do post), mas agora de repente passei a compreender até que ponto é verdadeira, o que me faz pensar que é curioso que desde Erasmo e Gil Vicente até aos nossos dias o humor continue a ser o veículo privilegiado para transmitir as mensagens mais fundamentais. Mas isso já é outra conversa...

Ser pai também aumentou a minha motivação para criar um blog por outras duas razões. A primeira é que eu tenho desde sempre o hábito de ter e partilhar uma opinião sobre tudo (mesmo tudo) ou, na versão resumida da minha querida esposa, sou um "caga-sentenças". Sempre que estamos pacificamente nas nossas vidas e eu começo: "Pá eu acho que..." dá para perceber pela pequena hesitação no movimento da caneta antes de escrever outro número no sudoku ou pela pausa a teclar seguida de alguns backspace ou pelo apertar dos cantos da boca ao virar uma página do livro, que a minha mulher se prepara resignadamente para passar um quarto de hora a ouvir outra ideia peregrina, incentivando-me com uns "hum hum" ocasionais.

Ora se isto não passava de um inconveniente para ela até agora, com a chegada da nossa filha, não só as oportunidades para ter este tipo de conversa são muito menos, como seria também arriscado usá-las exactamente para esse propósito, tendo em conta o cansaço acrescido e as alterações hormonais. Desta forma vi-me na necessidade de arranjar outro destinatário para as minhas divagações e é exactamente aí que entra este blog.

A segunda  razão a motivar-me para criar um blog relacionada com ser pai prende-se com o velho ditado que diz que um homem só terá o seu dever cumprido se tiver um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Ora eu em miúdo plantei uma nespereira no quintal da minha avó. Morreu meses depois é certo, oficialmente por causa das geadas, se bem que hoje penso que o facto de a ter plantado no meio da horta das cebolas deve ter tido alguma influência: "Ah, acertei-lhe em cheio com a enxada sem querer. Que pena, era tão bonita!". De qualquer forma o ditado é omisso quanto à sobrevivência da árvore e penso que neste caso deve-se fazer uma leitura taxativa: "plantar uma árvore" - check.

Quanto ao filho, o ditado segue a mesma linha de raciocínio e exige que se tenha tido um filho e não que se seja pai, seguindo a distinção explicada acima, o que é normal dada a sua antiguidade. Por essa mesma razão imagino também que a intenção original fosse provavelmente só considerar os filhos homens como válidos mas nesse aspecto nem perco tempo com deliberações: "ter um filho" - check.

Fica-me portanto a faltar escrever o livro. Neste aspecto, ao contrário da árvore, acho que devemos fazer alguma interpretação uma vez que na época em que o ditado foi criado a única forma de partilhar e guardar um texto para a posteridade seria escrevendo um livro. Como existem hoje novos métodos de o fazer, nomeadamente blogs, penso que posso considerar este critério como atingido assim que o blog tiver um conteúdo que chegue para encher um livro o que, tomando em consideração o tamanho destes posts iniciais, me deve exigir mais uns 10 no máximo...

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