terça-feira, 1 de março de 2011

Em Portugal...ou não!


Pá eu acho que Portugal (como região geográfica) historicamente não se governa nem se deixa governar.

Mentira! Quem achou isto foi o Júlio César ou outro romano qualquer da mesma época (porque é que ligamos ao que tipos que se vestiam com lençóis, espanadores e sandálias achavam, mesmo?), não sendo claro exactamente quem, nem se achando sequer registos que evidenciem essa afirmação. Se calhar foi afinal alguém do aparelho de propaganda do Estado Novo que achou que isto era mais uma bela peta romântica a enfiar nos livros de história, achando que em troca dela acharia mais uns tostões no bolso. Ou então é simplesmente algo que todos achamos e achámos e acharam todos os que em Portugal (com esse ou outro nome) se acharam, ou que mesmo fora dele tiveram a oportunidade de interagir com a sua venturosa gente.

Penso que mais importante que saber quem disse a frase e sobretudo mais definidor do que é ser português é por um lado o facto de a frase continuar a sobreviver através de renovadas citações, o que sugere concordância generalizada, e sobretudo por outro lado a forma como essa concordância é feita: a frase na boca de um romano de há uns 2100 anos indicia menosprezo pela forma de organização do adversário e pela sua inteligência ao rejeitar teimosamente a possibilidade de evolução civilizacional, enquanto que a mesma frase na boca de um português há cerca de 2:10 horas enquanto discutia com os amigos a hipótese da entrada do FMI em Portugal indicia orgulho por não nos deixarmos governar mas também um misto de resignação e orgulho disfarçado por o país não se governar (como um pai que repreende o filho por fazer uma asneira mas que interiormente pensa "eh eh, aquele malandro, sai mesmo ao pai!").

Essa resignação e orgulho disfarçado que sentimos por o país não se governar talvez explique porque é que nesse aspecto nada mudou em pelo menos 2100 anos. Conseguimos continuar orgulhosamente a não nos deixarmos ser governados mas aparentemente por outro lado não sentimos na realidade que seja muito importante para nós que o país se governe. Acho que existe um terceiro factor, que os romanos não consideraram por limitação da sua própria cultura mas que na nossa interpretação está implícito porque nem precisa de estar explícito de tão óbvio: é que para cada português o que é mesmo importante é que cada um se possa ir governando a si, independentemente do colectivo. Para a maior parte dos outros povos a lógica é: se o país for bem governado cada um ganha. Para nós o que faz sentido é: se cada um se souber governar o país todo ganha. Portanto permitam-me que complete finalmente a frase: Em Portugal não se governam nem se deixam governar mas cada um vai-se governando!

Isto tem todo o tipo de repercussões no dia-a-dia de um português. Tudo o que tem a ver com o colectivo como regras, leis, objectivos de grupo, prazos dilatados, etc. são conceitos muito difíceis de interiorizar por nós e mais difíceis ainda de pôr em prática. O ideal mesmo é termos o nosso objectivo individual e poucas restrições para podermos desenrascar como for mais fácil. Quanto a prazos, internacionalmente entende-se que curto prazo é menos de um ano, médio prazo entre 1 e 3-5 anos e longo prazo a partir daí, enquanto que em Portugal a convenção é que curto prazo é para já (era para ontem), médio prazo é depois de um café, refeição, etc. e longo prazo é para amanhã. Prazos mais longos são para um português algo que pertence a um domínio mais metafísico, aliás o próprio conceito de "amanhã" já é diferente entre nós e pessoas de outras nacionalidades, gerando frequentes mal-entendidos.

Tudo isto faz com que cada português seja normalmente individualista, pouco organizado e planeado, muito criativo e adaptável, prefira objectivos individuais e de curto prazo, deteste regras mas seja muito flexível. Em resumo, alguém péssimo para ter uma boa produtividade numa actividade contínua e rotineira mas excelente para resolver crises urgentes ou inovar em qualquer área.


Esta ideia é transmitida de forma brilhante por uma história que me foi contada há uns anos: no séc. XVII os holandeses sucederam-nos no domínio do comércio das especiarias por nos terem conquistado alguns portos no que é hoje a Indonésia mas como ainda não conheciam bem aquelas águas perigosas em que centenas de ilhas estão acima ou abaixo da superfície de acordo com a maré (Afonso de Albuquerque naufragou lá depois da conquista de Malaca perdendo uma fortuna avaliada hoje em dezenas de biliões de euros!) tiveram que contratar navegadores portugueses experientes para guiar os navios. O choque cultural entre os comandantes holandeses e os navegadores portugueses ficou guardado num ditado holandês da época dividido em três partes:
"
1 - Nenhum navio pode sair do porto sem ter um português a bordo;
2 - Pergunta: Qual é a primeira coisa a fazer assim que o navio sai do porto?
     Resposta: Prender o português;
3 - Pergunta: Quando é que se deve soltar o português?
     Resposta: Quando tudo estiver a falhar!
"
Devo dizer que o meu chefe é holandês mas até agora ainda nunca me prendeu. Não posso garantir no entanto que nunca tenha pensado nisso...

Por falar em portugueses a trabalhar para estrangeiros, a nossa tendência para a emigração também é facilitada pelas nossas características: motivados por objectivos pessoais, flexíveis, sem sentir decréscimo de segurança significativo por sair do seu grupo de origem, muito adaptável, etc.

Isto é válido tanto para os emigrantes tradicionais como para os emigrantes mais qualificados de agora. Por experiência própria posso também dizer que quem sai de Portugal com alguma experiência de trabalho, habituado aos nossos prazos (descritos acima) é visto no estrangeiro como surpreendentemente calmo, mantendo uma postura zen mesmo quando tem que cumprir com os prazos mais "apertados". Vá-se lá saber porquê!

O problema é que como geralmente só sabemos resolver crises e não planear e preparar tudo metodicamente e antecipadamente, uma organização só de portugueses acaba por ir deixando tudo chegar a urgente antes de ser tratado, o que faz com que pareça que estamos sempre a ir de crise em crise, como pode ser visto pelo próprio país, pela selecção de futebol, etc.

De qualquer forma é preciso admitir que nos temos sabido desenrascar ao longo da história e Portugal não tem mesmo paralelo na estabilidade da sua independência e fronteiras. Um amigo alemão perguntou-me um dia como é que nós tínhamos conseguido essa proeza tendo como vizinho um país que esteve em guerra e invadiu ou tentou invadir quase todas as regiões da Europa e arriscou: "vocês devem ser mesmo bons a andar à porrada!" mas na realidade conseguimos o feito ainda maior de arranjar sempre uma forma mais subtil de chegar aos nossos objectivos. Desde os primeiros registos históricos, passando por Afonso Henriques, Vasco da Gama, as duas guerras mundiais, o 25 de Abril, etc. sempre mostrámos uma enorme capacidade de improvisação e de auto-preservação. Isso faz pensar que será mais provável Portugal existir daqui a uns 500 ou 1000 anos do que outros países mais ricos, maiores, etc. Citando Darwin: "Não é a mais forte das espécies que sobrevive ou a mais inteligente, mas sim a mais adaptável à mudança.".

Se juntarmos a isto o nosso humanismo: primeiro país a abolir a escravatura, primeiro país a abolir a pena de morte, principal porta de saída da Europa para os Judeus durante a 2ª Guerra Mundial, etc., o nosso excelente clima e gastronomia aos quais quem sempre viveu em Portugal nunca conseguirá dar o devido valor, são razões mais que suficientes para ter amor e orgulho pelo nosso país.

De qualquer forma, como bom português, estou no estrangeiro a usufruir de uma qualidade de vida que levaria bastante tempo a ter em Portugal. Talvez um dia (muito) mais tarde volte a viver em Portugal dependendo da evolução do sistema nacional de saúde. Entretanto vou fazendo lá férias de vez em quando claro. Vou também acompanhando o que vai acontecendo, com a serenidade de saber que raramente sou afectado directamente, com a distância suficiente para ver as coisas em perspectiva e com o comparativo de outras realidades. Espero que isso dê alguma relevância às opiniões que vou passar a escrever por aqui sobre Portugal.

Entretanto já sabem: esqueçam o (des)Governo e vão-se governando!

3 comentários:

Anónimo disse...

Bom, bom era escreveres mais vezes!

2074 disse...

Excelente.

Parabéns

2074

Achador disse...

Obrigado!

Desculpem a demora. Estive em hibernação.