sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Napalm

Pá eu acho que sou um porco. Quem diz um porco diz um carneiro ou um boi ou outro animal doméstico qualquer. Sou eu e é toda a gente que está a ler este post quase de certeza. Esta constatação atingiu-me em cheio quando enfrentei o olhar de alguém que passou dezenas de anos em guerra. Não interessa o tamanho do corpo, a aparência, a massa muscular. O olhar. Aquele olhar aguçado, vivo, alerta e selvagem, totalmente focado, dando uma sensação quase física e invasiva de contacto, por oposição ao nosso olhar mais mortiço e desfocado, bastou para compreender que o conceito a que chamo mundo é afinal uma enorme quinta e que para lá dos seus limites existe ainda outro mundo que não conheço nem espero alguma vez vir a conhecer. Todas as nossas diferenças culturais, linguísticas, religiosas, etc. para os outros seres humanos, pequenas e grandes, originam níveis equivalentes de incompreensão mas aparentemente nada é tão separador como encarar a própria sobrevivência como um conceito abstracto relacionado mais com o nosso planeamento financeiro, ou vê-la, não no futuro mas no presente, como a nossa maior (ou até única) preocupação. Permanentemente. Na realidade (e felizmente) antes de o fazer com o cão, o cavalo ou a cabra, o nosso processo de domesticação de nós próprios já tinha começado há muito tempo.

Numa visita à quinta, essa pessoa, vamos chamar-lhe Mr.Wolf (sim, sou fã do Tarantino) partilhou por mero acaso uma refeição com uma familiar de uma vítima do 11 de Setembro e escutou compreensivamente o relato do atentado e sofrimento que provocou até ao momento em que este começou a ser substituído por apreciações (de um animal de quinta como nós, bem entendido) sobre os terroristas, suas motivações e bases de apoio ao terrorismo. Mr.Wolf, conhecedor do tema, com uma preocupação meramente informativa, decidiu então descrever minuciosamente os efeitos de um bombardeamento de napalm em povoações onde os homens estão normalmente ausentes por estarem escondidos a utilizar técnicas de guerrilha. Depois de guardarem silêncio durante alguns minutos, a familiar da vítima concluiu resignada: "we deserved it".

Lembrei-me disto porque tenho estado com um humor cada vez pior e só vejo napalm à frente: tenho que fazer alguma coisa para me livrar rapidamente dos bidons que comprei a pensar nos bloggers e que me estão a ocupar metade da casa. Ontem tive até que dar uma desculpa esfarrapada à pediatra da minha filha de 2 meses dizendo que o cheiro a gasolina que estava na roupa dela era só porque a tinha deixado experimentar abastecer o carro. Ainda bem que fui rápido a pensar em qualquer coisa verossímil. Se houvesse a suspeita que uma bebé de 2 meses dorme em cima de um bidon de napalm (com um colchão de fibra de bambu em cima claro!) ainda me arriscava a perder a custódia dela e isso iria de certeza causar problemas com a minha mulher quando chegasse a casa: "Olá querida." "Então, onde é que ela está?" "Err...Fui à pediatra e está tudo bem com ela! Temos uma filha perfeita!" "...Sim, mas..." "Pois, só que...err...alguns testes foram inconclusivos por isso ela teve que ficar lá para...pronto, para os fazer outra vez, eheh...depois volta, claro." "Ahhhh ok.......(pega no telefone)......Estou? Podia falar com a Dra. por favor?" momento em que eu fujo de casa o mais rápido possível.

Convém então ver-me livre dos bidons mas não os posso simplesmente mandar fora porque sou uma pessoa ecologicamente responsável e por outro lado também não me sentiria bem comigo mesmo em perder esta boa oportunidade já que há por aí muito boa gente que tem feito por merecer um bidonzito de napalm pela cabeça abaixo. E quando digo pela cabeça abaixo é já incendiado claro senão seria só uma maneira parva de fazer alguém ficar a cheirar mal durante um mês. Isto faz-me pensar que se já houvesse napalm no tempo da Inquisição espanhola haveria certamente gente do clero muito mais feliz: "Boa! Demorámos décadas a matar 1/3 dos flamengos por serem Protestantes mas agora damos cabo do resto em semanas numa série de bombardeamentos!" Feliz ao ponto de cumprir alegremente o voto de castidade. Aliás será que aceitariam o package promocional: poderem usar napalm mas pedofilia passar a ser também punida com um banhito do fogo divino líquido? É uma pergunta difícil mas eu acho que sim. Por outro lado fora do clero é óbvio que haveria muita gente muito menos feliz, ou melhor dizendo e simplificando acho que haveria muito menos gente.

Agora que penso nisso, livrar a sociedade de certas e determinadas pessoas até é capaz de me tornar numa espécie de justiceiro; num herói das classes oprimidas. Mas de qualquer forma confesso que não preciso desse tipo de incentivo. É que eu sou uma pessoa sádica e rancorosa por natureza por isso largar napalm sobre alguém vai por si só ser catártico, libertador e anti-stress o suficiente para me motivar.

Acho mesmo que vai ser tão motivante que assim que começar a virar bidons, por assim dizer, não vou conseguir parar até ficar sem napalm e provavelmente ainda vou acabar por fazer outra visita ao Wal-Mart para repor os stocks. Aliás, é comum no meu dia-a-dia, quando quero mostrar a minha opinião depreciativa sobre uma determinada pessoa, em vez de dizer por exemplo: "Ah e tal aquele gajo é uma grandessíssima besta!" digo "Epá aquele gajo: napalm!" e é o suficiente. Ao fim e ao cabo proponho-me apenas passar das palavras aos actos.

A minha sorte é que, como isto de ir nutrindo sentimentos venenosos sobre diversas pessoas é uma coisa que já vem de longe, para não deixar que se tornasse algo incontrolável, aprendi a utilizar um antídoto bastante simples. Esse antídoto é: Yann Tiersen. Basta concentrar-me na pessoa que é o meu alvo num determinado momento enquanto ouço algo do Yann Tiersen. Vou pensando na sua vida, nos seus sonhos, etc. e sinto logo a minha sede de violência esmorecer e ser substituída por uma vontade enorme de falar com essa pessoa, abraçá-la e explicar-lhe que podemos ser amigos e lutar pelos mesmos ideais. Às vezes cheguei mesmo a meter-me no carro mas é exactamente por essa razão que não tenho lá Yann Tiersen a tocar mas sim algo mais neutro. Acabo sempre por voltar para trás a meio do caminho quando o efeito se desvanece.

Vamos fazer um exercício prático: alguém que de vez em quando me apetece regar com napalm é por exemplo o Alberto João Jardim. É preciso explicar por quê? Tudo bem, não escolhi o Madail por exemplo que seria muito mais óbvio, mas se considerarmos aquela mania de vir permanentemente rebaixar quem quer que seja visto como um eventual entrave às suas políticas regionais, quando estas resultam não de uma extrema competência mas de um financiamento anual pago pelo continente de 300 milhões de Euros usados especialmente em vésperas de eleições ou, para quem é da Madeira, quando todos os órgãos de comunicação social regionais estão controlados ou abafados, garantindo a proeza de o Presidente do governo regional da Madeira ser o governante democraticamente eleito com o recorde mundial de permanência no poder, apenas ultrapassado na lista total de governantes por Muammar Kadafi, acho que está tudo dito.

Para iniciar o exercício ponho então algo do Yann Tiersen a tocar: e começo a pensar no pequeno Alberto João (Beto João? Betojão? Bertojão? Bejó? Bem, não interessa) numa bela tarde de Outono madeirense, o Sol derramado sobre as calmas águas do Atlântico em que ondas rebolam preguiçosamente até abraçarem a costa de pedras quentes. Alheio a esse cenário, passa as horas com os seus amigos a brincar às escondidas entre as bananeiras. A jogar à bola junto ao mar. A fazer corridas em terra e na água. A competir. A gracejar. A amuar. A imaginar. A discutir. A abraçar. A rir. Quando começa a anoitecer finge que não ouve a mãe a chamá-lo para voltar para casa porque quer continuar a ver o que é que aquele bicho está a pensar fazer. Quando finalmente regressa relutante, ouve a tradicional descompostura, acompanhada pelo também costumeiro breve puxar de orelha e senta-se de imediato a empanturrar-se com o jantar de espada com banana.

Então? Ainda há alguém a querer cobri-lo de napalm? Eu pelo menos já sinto a minha vontade diminuir consideravelmente.

Continuando: Alberto João foi para Coimbra com a ambição de voltar Dr.Jardim. Eventualmente viria a consegui-lo ao fim de 10 anos e até lá gozou, como muitos de nós o fizeram ou fariam, a vida académica pelo que tem de melhor, ainda por cima na sua capital. Do Mondego até à torre da universidade, dias e noites eram preenchidos com copos. Canções. Brincadeiras. Gozações. Serenatas. Repúblicas. Queimas das fitas (não como as actuais). Discursos inflamados (em privado). De vez em quando também umas aulitas. Levou a poncha para a noite de Coimbra e levou a noite de Coimbra na memória quando regressou finalmente à Madeira. Nunca mais deixou de ser conhecido como bom parceiro para as festas, seja entre companheiros num café na Câmara de Lobos ou entre sambistas no desfile de Carnaval do Funchal.

Deixando-me entusiasmar pela música (os mais atentos dirão "a música não é da banda sonora desse filme" e eu direi "podem por favor escrever o vosso nome e morada que tenho ali uns bidonzitos de prenda para vocês?"): Alberto João Jardim aime poncha, aime inaugurações e aime bujardar nos "cubanos". Ele n'aime pas outras pessoas com opiniões diferentes das dele, n'aime pas outras pessoas com opiniões,...n'aime pas outras pessoas.

Ok, confesso que apesar da terapia já começo a sentir aumentar outra vez a vontade de lhe dedicar um bidon e acho que quando o voltar a ver e ouvir no telejornal ela ficará totalmente restabelecida. Talvez seja melhor focar-me só na infância daqui para a frente que é mais eficaz. De qualquer forma acho que ficou claro pelo exercício prático o impacto que tem o antídoto Yann Tiersen.

Vou então dedicar esta área do blog (2ª de 5) a relatar o meu hobby secreto de entornador de bidons de napalm. Se há blogs para todo o tipo de hobbys: cozinha, bordados, cinema, livros, animais domésticos, etc. por que não o hobby de colocar seres humanos em combustão? Isto sim é uma actividade radical! Mas de qualquer forma prometo que será sempre por bom motivo. Não é só chegar cá e pedir para levar com napalm. Os candidatos terão sempre que ser submetidos ao teste Yann Tiersen para verificar se são de facto merecedores de levar com um bidon.

1 comentário:

Jose Ramon Santana Vazquez disse...

...traigo
sangre
de
la
tarde
herida
en
la
mano
y
una
vela
de
mi
corazón
para
invitarte
y
darte
este
alma
que
viene
para
compartir
contigo
tu
bello
blog
con
un
ramillete
de
oro
y
claveles
dentro...


desde mis
HORAS ROTAS
Y AULA DE PAZ


TE SIGO TU BLOG

PA EU ACHO QUE...


CON saludos de la luna al
reflejarse en el mar de la
poesía...


AFECTUOSAMENTE


ESPERO SEAN DE VUESTRO AGRADO EL POST POETIZADO DE CUMBRES BORRASCOSAS, ENEMIGO A LAS PUERTAS, CACHORRO, FANTASMA DE LA OPERA, BLADE RUUNER Y CHOCOLATE.

José
Ramón...